“GUERRA ENTRE HERDEIROS” – Nem farsa nem humor mórbido
Em muitas ocasiões, os filmes tratam os créditos iniciais sem criatividade e apenas enumeram os profissionais envolvidos. GUERRA ENTRE HERDEIROS faz diferente. Embora o uso da animação não dialogue com o restante da narrativa, esse momento apresenta as divergências na família das protagonistas durante a infância e as dificuldades financeiras no negócio administrado pelas irmãs. Terminados os créditos iniciais, a comédia tem pouco a dizer e a divertir tanto em conteúdo quanto em forma.
Macey e Savanna são irmãs e donas de uma cafeteria à beira da falência. A única solução que encontram para não quebrarem é a herança da família. Para isso, decidem agradar a tia Hilda, uma mulher ranzinza e autoritária à beira da morte por causa de um câncer, para herdarem a fortuna. No entanto, elas não esperavam que os primos Beatrice e Richard fossem para a residência da tia com o mesmo objetivo. A partir daí, começa uma disputa entre eles para ter o nome no testamento.
De acordo com a trama, a comédia se baseia em uma farsa. De formas variadas, cada primo precisa interpretar um papel em que aparente gostar de Hilda e a agrade nos últimos dias de vida enquanto competem entre si pela herança. A tia até pode estar no centro do conflito, mas não é a personagem que ocupa o primeiro plano dos acontecimentos. A condição passiva de uma mulher moribunda tal qual criada pelo filme proporciona poucas chances para Kathleen Turner. Uma das melhores atrizes do elenco trabalha uma matriarca de personalidade difícil, crítica e enfraquecida pela doença sem maiores nuances que não se limitem a momentos em que ela precisa extravasar impropérios contra alguém. Por um lado, é um desperdício da atriz, por outro, não deixa de ser uma escolha concentrar as atenções do humor farsesco naquelas figuras que arquitetam um plano para obter todo o dinheiro.
As protagonistas formam a tradicional dupla de contrastes. Macey é a irmã comedida, preocupada com as implicações morais de suas atitudes e, inicialmente, contrária ao método do custe o que custar para atingir suas metas. Já Savanna é a irmã mais impulsiva, capaz de agir pelas emoções, inclusive, mais agressivas, liberar comentários afrontosos e ceder aos comportamentos mais violentos, além de ser a primeira a querer manipular a tia para herdar a fortuna. A convivência entre elas seria a disparadora de um humor direto, facilmente perceptível caso o desenvolvimento em conjunto das duas personagens fosse mais impactante junto ao espectador. Toni Collette tem dificuldade de efetivamente se colocar como parte da produção e fazer o comedimento de Macey criar humor pelo senso de desconforto que ela poderia passar a cada nova situação, o que a deixa perdida sem encontrar seu próprio espaço. E Anna Faris não consegue se desvincular da sensação de que estaria novamente vivendo Cindy Campbell da franquia “Todo mundo em pânico“, o que deixa o tom cômico de Savanna voltado para o absurdo incompleto.
Os demais personagens sofrem com problemas semelhantes. David Duchovny cria Richard emulando seu conhecido papel de Hank Moody na série “Californication“, ao fazê-lo ser o típico homem imaturo que se dedica a trabalhos esdrúxulos achando que renderão lucros fáceis e parece pensar apenas em drogas e sexo. Ron Livingston encarna James como um dos poucos lúcidos na farsa, que resiste aos planos mais enlouquecidos da esposa e se angustia com os exageros dos planos elaborados pelos outros, ainda que esteja em uma condição próxima de Toni Collette por parecer perdido em um conjunto geral de absurdos sem ser aproveitado como mais uma fonte de humor. E Rosemarie DeWitt vive Beatrice como uma mulher maquiavélica que parece ter tudo previamente arquitetado para controlar as decisões de tia Hilda, algo que poderia proporcionar momentos cômicos eficientes no embate contra Savanna se os conflitos não fossem visualmente tão inofensivos.
Não há farsa suficiente para uma narrativa que se apoia em personagens que não sustentam esse jogo de aparências. Ao mesmo tempo, o humor mórbido desenvolvido no roteiro do diretor Dean Craig à medida que os eventos da trama avançam também é incompleto. Os planos elaborados pelos primos envolvem uma reconciliação forçada com determinado parente, algumas possibilidades de encontros sexuais cada vez mais inusitados e uma união impensável entre partes até então antagônicas em favor do mesmo objetivo. Entretanto, o cineasta roteirista depende exclusivamente do texto para tentar criar as piadas, já que sempre as anuncia através da fala de um dos personagens, prepara a situação que está por vir a partir de uma série de diálogos e deixa de concretizar em imagens o humor que se pretendia alcançar. As ações citadas anteriormente como partes do plano pela herança são traduzidas em sequências que ficam abaixo dos temas que deveriam representar. Então, Dean Craig faz a decupagem e a construção visual serem as mais burocráticas possíveis voltadas apenas para a ilustração do roteiro.
Em determinados instantes, o cineasta parece perceber que não seria suficiente para o filme depender apenas do roteiro (e mesmo assim carente de uma força cômica maior através da interação dos personagens) para gerar humor. Em cenas isoladas, ele tenta impor alguma assinatura estética a partir da utilização de uma trilha sonora cômica com batidas rápidas. Em nenhum dos casos, o efeito é forte o suficiente para ampliar as piadas e dar a elas uma abordagem cinematográfica que realmente afete os espectadores. Afinal, é um recurso que não se adequa ao que era feito até então na narrativa e atravessa a cena de maneira tão rápida que mal interfere no que se pode ver. Após tentativas falhas de variar seu humor, “Guerra entre herdeiros” retorna para a comédia de interação entre os personagens tentando reviravoltas para o desfecho, Elas não precisariam ser originais nem surpreendentes, mas quando a piada depende muito da quebra de expectativa e não há o que se subverter porque tudo é antevisto sem dificuldades, a resolução se perde. Como resultado, produz-se uma obra que não é nem uma farsa nem uma comédia mórbida.
Um resultado de todos os filmes que já viu.