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“INDIANA JONES E O REINO DA CAVEIRA DE CRISTAL” – Mitologia desconstruída

Tempos depois do lançamento do quarto filme da franquia Indiana Jones, o roteirista David Koepp afirmou que a ideia utilizada no roteiro não era a melhor para dar continuidade àquele universo. De acordo com ele, os fãs não receberam bem as alterações na mitologia do personagem, em especial a presença de séries alienígenas na trama. De fato, as características do mundo fictício do arqueólogo foram desconstruídas, mas seria simplista colocar a responsabilidade pelas críticas negativas apenas no flerte com a ficção científica. INDIANA JONES E O REINO DA CAVEIRA DE CRISTAL pode ser também questionado em outros elementos essenciais.

(© Paramount Pictures / Divulgação)

Os anos se passaram e a história se situa durante a Guerra Fria em 1957. Indiana Jones e seu ajudante Mac conseguiram fugir de agentes soviéticos enquanto estes tentavam se apoderar de um artefato valioso armazenado em um galpão nos EUA. De volta para a universidade onde trabalha, o protagonista desperta as atenções do FBI e da KGB. Ao mesmo tempo que procura se proteger das investidas das duas agências secretas, ele conhece o jovem Mutt Williams, que pede sua ajuda para localizar um arqueólogo desaparecido e encontrar a Caveira de Cristal de Akator. A missão não será simples porque a URSS também se interessa pela peça e envia Irina Spalko para encontrá-la.

Desde o primeiro filme na década de 1980, as narrativas apresentavam uma relação maior ou menor com o contexto histórico da diegese. Tornava-se assim uma tradição fazer a aventura da vez se entrelaçar com o cenário político da época, como a ascensão do nazismo e o imperialismo europeu na Ásia. O quarto filme mantém a característica, porém não a faz ser tão significativa ao tratar das disputas entre EUA e URSS pela hegemonia mundial. A sequência inicial se apoia em estereótipos (a afirmação de um traidor de que seria capitalista, por isso, traía pensando no dinheiro que ganharia e a imagem dos comunistas que se resumiria à sisudez dos militares ou a dissimulação de espiões) e simplifica a oposição de Indiana aos comunistas a chavões supostamente cômicos. Momentaneamente, a paranoia anticomunista e a disputa entre FBI e KGB criam momentos com algum potencial para elevar os desafios do protagonista. O potencial não se sustenta e os méritos da alusão ao panorama histórico duram pouco, já que o universo de espionagem parece muito estranho ao professor arqueólogo e aventureiro.

Além da inserção das tramas na História, a franquia também tornava a aventura atraente ao colocar grande dose de fantasia na arqueologia. O trabalho de tentar reconstruir povos e culturas antigas a partir das informações possíveis retiradas de vestígios materiais nunca é completo, o que abre espaço para a imaginação preencher as dúvidas e lacunas. Foi assim que as três produções anteriores criaram universos singulares que misturaram a ciência, o fantástico, o místico, o cultural e o sobrenatural. No quarto filme, existe uma mitologia que remonta aos povos pré-colombianos da América e às construções de grandes monumentos repletos de riquezas. No entanto, este novo mundo ficcional parece ser desenvolvido de forma preguiçosa e sem explorar todos os aspectos que fariam parte de um artefato construído pelos povos originários e capaz de levar ao controle da mente humana. A reunião de pistas, o processo de interpretação e os perigos descobertos são igualmente burocráticos e não despertam um senso de aventura contagiante, algo que impede a trilha sonora clássica composta por John Williams dar a energia intensa que já havia conseguido em outros momentos.

Há outro aspecto que forma o universo fantástico da arqueologia: a dimensão pessoal de Indiana Jones. Inicialmente, era algo sutil que passava pelas antigas relações amorosas do personagem e os traços de sua personalidade. Em seguida, tornou-se mais evidente ao trazer a juventude do protagonista e as interações com o pai para o centro dramático. O mesmo poderia acontecer no quarto filme ao fazer Indiana Jones retomar outras vivências do passado e se comportar como uma figura paterna para Mutt. Na execução, este segmento íntimo sofre com a presença burocrática de Shia LaBeouf, que não se afirma como pupilo, aprendiz nem parceiro de aventuras. A interação entre os dois personagens precisaria evoluir para dar conta de uma base emocional maior, mas nem o humor a satisfaz. Apesar de Harrison Ford já estar há muito familiarizado com Indiana Jones, não existem tantas passagens que o fazem trabalhar o carisma, o humor ou o senso aventureiro em sua atuação. O único aspecto que se sai relativamente melhor é a volta de Karen Allen como Marion, que possibilita um confronto interessante com o arqueólogo.

Steven Spielberg parece igualmente satisfeito em repetir soluções visuais já usadas anteriormente para as sequências de ação. Consequentemente, a diversão e o envolvimento sensorial que as cenas de luta e de perseguição proporcionavam são limitados. O diretor faz mais do mesmo, contentando-se em trazer de volta referências estéticas conhecidas sem dar a elas algum elemento extra ou uma abordagem distinta. O uso do chicote, a silhueta do personagem nas sombras e a colocação do chapéu costumavam ser instantes emblemáticos que marcariam o início da ação, mas são filmados, dessa vez, como uma obrigação protocolar sem alma. Quando algo novo é experimentado, os resultados são contraditórios ou parcialmente satisfatórios. A grande set piece na floresta poderia gerar momentos poderosos, em especial na luta de espadas entre Mutt e Irina em veículos em movimento, se não fossem escolhas duvidosas. A criação dos efeitos visuais não precisaria ser realista, apenas esteticamente mais atraente, e a entrada de macacos em determinada cena de perseguição gera um humor involuntário.

É simplista considerar a reviravolta em torno da criação e dos poderes da Caveira de Cristal como única razão para o insucesso da obra. Entretanto, não é algo a ser menosprezado porque impacta na mitologia interna da trama e na representação dos povos originários da América. Até então na franquia, todos os artefatos se baseavam na extrapolação fictícia e imaginativa de traços pertencentes à cultura cristã ou às populações tradicionais do Oriente. Ao levar a explicação para algo extraterreno, o uso da fantasia para esclarecer o que ainda se mantém como um mistério do passado se perde. Enquanto isso, dar grande espaço para alienígenas na resolução da aventura desmerece os conhecimentos dos povos americanos e atribui a uma teoria da conspiração a capacidade de produzir feitos arquitetônicos e astronômicos impressionantes. Faz algum sentido identificar uma abordagem anticomunista na narrativa, levando-se em conta o contexto referenciado. Não é pertinente visualizar a reprodução dos povos nativos como seres primitivos e selvagens, como se vê nas sequências no túmulo e na floresta.

Ao chegar ao clímax, “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal” atinge tal proporção grandiosa que parece deixar o próprio universo do qual deveria pertencer. Não se trata de rejeitar eventuais mudanças ou reformulações do universo ou de exigir que a mitologia continue fixa. Trata-se de refletir até que ponto essas transformações contribuem ou não para a unidade geral que se pretende dar à produção. E o desfecho alcança tamanha grandiosidade que a relação histórica com o contexto se enfraquece, o arco pessoal de Indiana Jones se mostra tímido, as sequências de ação perdem energia e a mitologia faz seu protagonista ser um estranho perdido no próprio filme. Se a obra anterior havia questionado seus personagens sobre o aprendizado que poderiam ter, o quarto filme não aprendeu o que o faria ser uma diversão completa.