“INDIANA JONES E A RELÍQUIA DO DESTINO” – O tempo da desconstrução
O tempo é o elemento central de INDIANA JONES E A RELÍQUIA DO DESTINO. Ironicamente, ele é o tema do longa e se torna uma de suas falhas – a duração exagerada. Também por ironia, enquanto assunto principal, ele demora um pouco para se mostrar claramente. Como é de se esperar, em relação ao protagonista, o viés adotado é o do envelhecimento, o que acaba sendo uma das maiores virtudes da produção, ao mostrar que nem toda desconstrução implica rompimento.
Ainda no período em que evitava que os nazistas ficassem com artefatos arqueológicos perigosos, Indiana Jones resgatou um objeto em mais uma empreitada vitoriosa. Anos depois, o agora desanimado professor Jones está se aposentando. Tudo muda quando pessoas do seu passado o impulsionam a uma nova aventura.
James Mangold já foi capaz de entregar a pérola “Wolverine: imortal”. Porém, ele se redimiu com “Logan” e é o responsável pelo clássico “Garota, interrompida”. Ou seja, a expectativa era que ele superasse “Indiana Jones e o reino da caveira de cristal”, dirigido por Spielberg, ainda que não superasse o premiado cineasta em relação à trilogia inicial. O quinto filme da franquia acabou, de fato, superando o quarto, mas não os outros três (talvez, também o segundo).
O longa é bastante fiel ao que foi estabelecido nos três primeiros: precisa lidar com o pêndulo sorte-azar do protagonista (vai ser fuzilado até que aparece um míssil que impede seus inimigos, o míssil que o ajuda também o complica quando explode), com a continuidade estabelecida em “quases” (quase enforcado, quase fuzilado, quase enforcado novamente), com sequências surreais (uma influência reflexa com a franquia “Missão: impossível”, que foi inicialmente influenciada, mas agora exerce influência) e com uma engenhosidade bem-humorada (o uso do cavalo), dentre outros elementos. Porém, existe uma dose de subversão. Por exemplo, agora não é Indy quem prevalece ao usar uma pistola contra uma faca, mas ele é quem precisa fugir porque o chicote é insuficiente contra várias pistolas (até mesmo as cobras não são as mesmas de antes). O que é importante é que a subversão não é gratuita, mas coerente com a proposta de mostrar que, sob certo olhar, Indy é o mesmo; em outra perspectiva, todavia, ele é outro.
Junto dos demais roteiristas – Jez Butterworth, John-Henry Butterworth e David Koepp -, Mangold demonstra que a “versão” que está na tela não é a mesma de antes. Indy está envelhecido; quando aparece sem camisa, mostra que não tem o mesmo corpo exibido no segundo filme; ele não é mais um galã, mas um homem amargo carregando traumas que tenta esquecer com o álcool. O cenário também é outro; ao invés das alunas suspirando pelo professor Jones, a sala tem estudantes completamente desinteressados e alheios à sua fala. Por outro lado, o herói continua sendo o mesmo aventureiro sagaz que encontra as saídas mais criativas para se evadir do perigo (a sequência do desfile é muito boa). A atuação de Harrison Ford não perdeu um milímetro do charme da personagem no que lhe é mais peculiar, nomeadamente a audácia exigida na ação e o deboche verificado na comédia. A tecnologia de rejuvenescimento aplicada no ator é impressionante do ponto de vista visual, mas não perceberam que seu timbre vocal agora está mais grave, o que não foi modificado.
Tal tecnologia é empregada no longuíssimo primeiro ato, que alia todas as características imagéticas (principalmente a ação empolgante) e sonoras (sobretudo a excelente Leitmotiv) que a franquia IJ precisa ter. A mise en scène de Mangold é geralmente acertada, como os planos simbólicos do varal representando elipses e a cena em que o protagonista prepara seu café (diz muito sem falar nada). Contudo, são quatro os problemas do filme (sem considerar sua duração injustificadamente exagerada), três deles no roteiro. O primeiro é o excesso de personagens descartáveis, como Mason (Shaunette Renée Wilson), Klaber (Boyd Holbrook) e Sallah (John Rhys-Davies), que recebem espaço à toa (o terceiro volta pela nostalgia, mas apenas alonga o filme sem fazer uma diferença concreta). Além disso, em relação ao vilão, Mads Mikkelsen é um ótimo ator, mas nem ele compensaria a unidimensionalidade, a eficiência exagerada e a motivação questionável de Voller. A terceira está na suspensão da descrença (Teddy, por exemplo, poderia ser um prodígio, o que explicaria muito, mas essa explicação não está no filme).
As produções da mesma época de “Indiana Jones e a relíquia do destino” são bastante embasadas em desconstruções e o tempo é um assunto recorrente. Seria comum esperar, nessa ótica, mais do mesmo. Todavia, não é bem esse o caso. Phoebe Waller-Bridge, por exemplo, interpreta uma personagem muito interessante em razão de sua dubiedade, rompendo o que se esperaria dela. A atriz, porém, lhe dá às vezes um tom teatral, como ao ler o código para Voller, o que não convence mesmo se a justificativa fosse o objetivo humorístico. O filme, assim, não atinge o nível de todos os seus antecessores e, a rigor, repete muitos dos seus acertos, mas mantém o espírito de uma franquia clássica.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.