“INDIANA JONES E A ÚLTIMA CRUZADA” – Pista e recompensa
Duas aventuras e oito anos depois, Indiana Jones já é bastante conhecido pelo público. O arqueólogo leva praticamente uma vida dupla como professor universitário e agente de campo em busca de relíquias históricas, tem medo de cobras, utiliza um chicote e armas de fogo, envolve-se em romances turbulentos e é perseguido por ameaças mortais. Dois filmes depois, este universo foi apresentado e expandido com conflitos contra nazistas e seitas fanáticas. O que poderia ser acrescido ao terceiro volume da trilogia? INDIANA JONES E A ÚLTIMA CRUZADA não busca nada revolucionário, pois dar indícios familiares do que está por vir pode ser bastante recompensador e atraente para os espectadores.
Indiana Jones é chamado pelo colecionador de artes Walter Donovan para procurar o Santo Graal. Tendo acesso ao diário de seu pai, Henry Jones, o arqueólogo consegue informações para a localização do cálice sagrado de Jesus Cristo. Porém, seu pai desapareceu desde que foi sequestrado pelos nazistas, também interessados na obtenção da relíquia. Então, o protagonista embarca em uma aventura ao lado do amigo Marcus Brody e da doutora Elsa Schneider para resgatar Henry e impedir que o poder da vida eterna do Santo Graal caia em mãos erradas.
Na estrutura de roteiro, um recurso possível é o de pista e recompensa. Um elemento, um personagem, uma piada ou uma informação é apresentada em determinado momento da trama e reaparece posteriormente com impacto significativo. O recurso é assim chamado porque é inserido como algo de pouco valor ou de forma sutil e gratifica o espectador que o percebeu e o relacionou com alguma passagem da narrativa. No caso de um público que acompanha o personagem e suas aventuras desde 1981, o terceiro filme reconhece a presença dos fãs e os envolve na experiência de uma nova jornada. As duas sequências iniciais são responsáveis pela introdução dessa ideia, ao começar com um jovem Indiana em fuga de perseguidores em um trem em movimento e saltar no tempo para uma cena de ação correlata em uma embarcação com o arqueólogo adulto. Em ambas, Steven Spielberg mostra seu costumeiro domínio da mise-en-scène e da inserção de informações sobre o protagonista, combinando humor e adrenalina em cada plano e na construção das sequências em geral.
As duas sequências são habilidosas em informar aspectos que fazem parte do que viria a compor seu universo diegético: o medo de cobras, o uso do chicote, a ética do arqueólogo a respeito dos museus, a iconografia do chapéu, a qualidade de nunca desistir e a relação conturbada com o pai. Entretanto, tais dados não são tratados com a seriedade de algo que precisaria ser explicado de modo lógico em uma versão definitiva. Na realidade, Spielberg brinca com cada um desses elementos e não parece disposto a explicar didaticamente suas origens. Além disso, River Phoenix mostra o vigor da versão juvenil de Indiana enquanto aprende os passos que o levariam ser renomado na arqueologia; e Harrison Ford se consolida como astro de ação dos anos 1980 enquanto entrelaça humor e energia física nas perseguições e confrontos físicos. Quando se pensa em uma estrutura em que pistas são colocadas em um momento para serem retomadas ou ressignificadas em seguida, o terceiro exemplar da trilogia constrói a aventura ao passo que acena com piscadelas que divertem o público e conferem coesão à trama.
Outros aspectos da produção seguem a dinâmica da pista e da recompensa, pensada de maneira ampla para todo o universo da trilogia. Se a busca é por uma relíquia bíblica com grande significado para os cristãos, o espectador pode entendê-la como um indício que o gratifica se levar em consideração que o primeiro filme também se interessou por um artefato cristão e pode ser resgatado de alguma forma. Logo, a missão é uma pista que recompensa aqueles que imaginam que os vilões serão novamente os nazistas, decididos a obter uma arma que os faria dominar o mundo. Nesse sentido, apesar de Spielberg repetir os antagonistas, trabalha mais algumas características da ditadura de Hitler para além de seu interesse por ferramentas místicas. A simbologia nazista, as grandes manifestações públicas, o culto ao líder e o anti-intelectualismo aparecem no momento em que Indiana e Henry Jones passam por Berlim e observam a queima de livros. A crítica em torno da destruição de conhecimento vem seguida por uma abordagem irônica que satiriza a celebração descerebrada de Hitler como um astro que dá autógrafos.
Como foi pontuado na sequência de abertura, o passado de Indiana Jones ganha maior atenção ao aparecer de vislumbre a silhueta de seu pai enquanto o jovem arqueólogo retornava para casa com uma relíquia dos tempos da colonização espanhola na América. A breve aparição é suficiente para indicar algo que seria trabalhado no decorrer da narrativa: a criação conturbada de um filho por seu pai, dedicado mais ao trabalho do que a família. O que poderia ser carregado dramaticamente, jamais ganha tamanho peso, pois Spielberg aborda o distanciamento emocional dos dois personagens e a ausência de uma figura paterna frequente para Indiana de maneira mais lúdica e cômica do que solene. A dinâmica entre Indiana e Henry segue o mesmo tom, graças às interações protagonizadas por Harrison Ford e Sean Connery, que revelam lacunas na relação desde o passado e dificuldades de compreensão da visão um do outro, mas demonstram afeto à sua própria maneira contida. Basta ver, por exemplo, a influência de Henry na carreira do filho e o carinho silencioso de ambas as partes.
Dentro da própria história do terceiro filme, o esquema de preparação e desfecho de pequenos detalhes forma a aventura da vez. As reviravoltas e revelações que chegam mais à frente podem ser antecipadas pelas pistas deixadas por cenas e elementos aparentemente inofensivos. Assim, a possibilidade de haver traições na missão é insinuada pela fala de que ninguém é digno de total confiança, a aula de Indiana em que comenta para seus alunos que a arqueologia não é uma grande caça ao tesouro é ironicamente contraposta pela jornada do protagonista e a afirmação de que a marcação de um “X” em algum lugar não indicaria a descoberta do objetivo perseguido também é negada ironicamente pela descoberta de um vestígio em direção ao Santo Graal. Além disso, a aventura que retoma a procura por uma relíquia bíblica e enfrenta nazistas também resgata figuras relativas ao primeiro filme e dá mais destaque a elas, como Marcus Brody, que vai, de fato, para campo, e Sallah, que reaparece como fiel escudeiro de Indiana durante a ação.
“Indiana Jones e a Última Cruzada” se adequa muito bem à estrutura de pista e recompensa porque a própria missão de busca pelo Santo Graal se conforma como uma investigação. Diversos tipos de rastros e vestígios são reunidos e decifrados para ir mais fundo em uma jornada que desvenda mistérios bíblicos desde a Antiguidade. Ao longo do processo, a proporção das sequências de ação se intensifica como se fosse uma guerra do bem contra o mal, uma luta contra forças místicas superiores e um desafio grandioso contra uma ameaça histórica significativa. É curioso também perceber que pistas sutis dentro da investigação ou dos confrontos finais colocam camadas dramáticas mais complexas para Walter Donovan e Elsa Schneider, de modo a discutir sobre as alianças espúrias em nome de algum interesse individual. Na última sequência, Henry e Indiana conversam sobre o aprendizado que vários personagens poderiam ter ao fim da aventura., seja ele uma iluminação, seja ele o reconhecimento da importância da proteção de artefatos históricos contra usos nocivos. E se a pergunta fosse feita ao espectador, a resposta poderia muito bem ser como aproveitar uma trilogia que triunfa na tarefa de divertir.
Um resultado de todos os filmes que já viu.