“ALÉM DO TEMPO” – Amor trascendental
Distante de explicações racionais, o amor sempre ofereceu uma enorme carga para a exploração cinematográfica. Impulsionando a origem de memoráveis casais, imortalizados por sua inserção em uma estrutura dramática, essa força espiritual já originou diversas histórias, autorizadas a trabalhar aspectos lúdicos e dignos de um bom romance. É com essa base que ALÉM DO TEMPO subverte as leis temporais, buscando emocionar por seu laço infinito mas que infelizmente não foge ao lugar comum.
Profundamente apaixonados, Johanna e Lucas viveram muitas aventuras nas décadas de 70 e 80, guiados pelos mais amplos e verdadeiros sonhos. Ao sofrer um terrível acidente de barco, sobre o Atlântico, entretanto, eles perdem o seu pequeno filho e são afastados, um do outro, pelas forças da natureza. Trinta anos mais tarde, entretanto, o casal se reencontra, acendendo antigas chamas que podem por em risco o estado atual de suas vidas.
Dirigido pelo holandês Theu Bermans, é interessante como o projeto parte dessa dicotomia entre a lei natural e a paixão incompreensível. Movida por uma fotografia que bem preserva a imponência dos fenômenos naturais, emerge uma direção que tenta trascender essas imagens, dissociando o arcabouço sentimental das personagens do plano concreto. Seja na frustrada superação da criança perdida, ou nas tentativas falhas de se conter as lembranças do passado, por vezes é evitado o didatismo de rostos lacrimejando, e a sua dor é transmitida pelo quebrar de ondas furiosas e pela ausência de um céu nublado. Isso tudo, é claro, ao menos inicialmente.
Não demora muito para que a retratação desse espaço se transforme em mero requinte estético, esgotando rapidamente essa ferramenta. Se por um lado esse esvaziamento até corrobora para o ideal ruidoso trabalhado pelo filme – que fundamenta os traumas irresolutos, fadados a orbitar eternamente os protagonistas -, por outro ele recicla uma ambientação que deixa de comunicar a cada nova reprodução.
É como se os signos naturais, e que bem encabeçam o conflito entre a racionalidade e a sensação subjetiva, assumissem um revestimento visual pausterizado, e que esclarece uma falta de comprometimento do filme com a sua funcionalidade. São planos que priorizam uma espécie de fetichismo visual, descartando uma relação verdadeira entre as paisagens e a evolução de suas personagens.
Em relação às últimas, fica claro também como a montagem nem sempre beneficia a transição entre as duas duplas de atores, que alternam entre as versões jovens e já mais velhas dos protagonistas. Essa divisão acaba autorizando uma progressão, que se no momento anterior à separação ainda se estrutura de forma menos metódica, muito didática, que utiliza a distância entre as idades como muleta de fácil esgotamento. Não é difícil, assim, antever a discussão principal da obra, que se anuncia e se completa com pouco mais do que meia hora.
Resta assim uma coletânea de experiências apelativas, que delineam diversos clichês do gênero na tentativa desesperada de comover o espectador. Ainda que exista um contraste chamativo entre vivacidade dos jovens Sallie Harmsen e Reinot van Aschat e a maior contenção de Elsie de Brauw e Gijs Scholten van Aschat, as situações as quais eles se veem submetidos pouco avançam a narrativa, sequer se salvando como uma possível experiência a respeito da incapacidade de se escapar do trauma.
Desse modo, e apesar da solidez da trama segura, “Além do tempo” naufraga ao não amplificar alguns deslumbres originais de sua direção, excessivamente apoiado nos acontecimentos de sua dramaturgia. Articulados por meio de uma teia de convenções e atitudes melodramáticas, seria injusto dizer que o longa não apresenta um casal comovente, mas igualmente o seria se negassemos que ele está longe de estar no panteão das grandes histórias de amor.
* Filme assistido na cobertura do Festival Filmelier no Cinema, de 2023.