“OS TRÊS MOSQUETEIROS: D’ARTAGNAN” – Épico de alto valor
Não é fácil adaptar um romance literário clássico para o cinema em nenhuma hipótese. Certamente os recursos financeiros de OS TRÊS MOSQUETEIROS: D’ARTAGNAN ajudam a produção a ser grandiosa, porém o épico só consegue ser épico graças a um trabalho capaz de fazer jus à fonte original.
D’Artagnan é um jovem da Gasconha que chega em Paris à procura de seus agressores depois de quase ser assassinado. Em sua busca, ele se envolve em uma conspiração contra o Rei Louis XIII, aliando-se a três mosqueteiros – Athos, Portos e Aramis – para salvar a França.
Nem todo épico consegue ser épico: a palavra pode designar tanto o filme de orçamento robusto quanto aquele pertencente ao gênero cinematográfico marcado por um ambicioso herói clássico, muitas vezes (como aqui) em contexto histórico (épico histórico), um grande elenco e design de produção luxuoso. O longa de Martin Bourboulon se encaixa nos dois sentidos da palavra e, mais importante, vai além.
O versátil François Civil interpreta o protagonista, um rapaz que, apesar da juventude e da origem humilde, demonstra alguma insolência inclusive perante o Rei, defendendo-se sob pretexto de servir à Coroa com a própria arrogância. Civil é ótimo em todas as dimensões do herói, inclusive na parte romântica (a despeito da timidez excessiva de Lyna Khoudri no papel de Constance), que recebe menor atenção. Apaixonado e sensível, d’Artagnan é um corajoso espadachim que recebe o respeito do trio de mosqueteiros não por seguir as formalidades da época, em que deveria fazer reverência a eles, mas por revelar valores nobres, principalmente a disposição em ajudar a Rainha Anne da Áustria (Vicky Krieps, bem no pouco espaço que tem) e o próprio Athos. Coube a Vincent Cassel, Pio Marmaï e Romain Duris interpretar, respectivamente, Athos, Porthos e Aramis, revelando facetas que extrapolam a superficialidade inicial, como nos prazeres dos últimos dois (Porthos não é apenas um guloso; Aramis tem uma personalidade sádica).
Extremamente fiel ao livro de Alexandre Dumas, o roteiro de Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellière explora a narrativa repleta de intrigas e conspirações, justificadas por intenções políticas por pessoas próximas ao Rei, como o Cardeal de Richelieu (Eric Ruf), e outras não tão próximas, como a personagem de Eva Green – atriz que está em mais um papel de femme fatale, idêntico a todos os anteriores, com uma lacuna relativa à sua motivação (o que talvez seja respondido na continuação). Louis Garrel acerta ao interpretar seu homônimo sem exageros, convencendo como um rei que esconde suas inseguranças e tenta a todo custo se mostrar confiante (os planos-detalhe de seus dedos se mexendo quando em dúvida deixam clara a sua fragilidade contida).
É na ação e na tensão que Bourboulon tem seus melhores momentos. Três cenas de ação se destacam: a do prólogo, a da floresta e a que se passa em Val-de-Grâce. Nos três casos, o estilo do diretor fica claro: planos longos ou planos-sequência, câmera na mão e prevalência de sons diegéticos. Na prática, o espectador fica imerso na adrenalina que, por não ser tão dependente de golpes físicos diretos, é orientada por golpes de espada e explosivos tiros de mosquete, de modo que a ausência de cortes e a movimentação da filmagem tornam as batalhas mais dinâmicas e agitadas. A trilha musical exerce função mais importante na tensão – como na cena de perseguição a cavalo em um penhasco – e no drama. A cena dos instantes prévios à decapitação de uma personagem não teria o mesmo impacto não fosse a sua preparação, leia-se, a narração voice over da carta, o corredor de pessoas com roupas escuras e o ângulo contreplongée, além, é claro, da música dramática.
O tom epopeico é reafirmado constantemente pelo impecável design de produção de época, merecendo menção especial a macabra floresta do início (vazia, com um pouco de neblina e pedras que parecem lápides) e a composição imagética da festa no Palácio de Buckingham. O filme deixa clara sua atenção aos detalhes, como, por exemplo, a maquiagem do protagonista ao chegar em Paris, suado e sujo em razão dos fatos antecedentes. Como se não bastasse, esta é apenas a primeira parte da obra, reafirmando seu ímpeto de magnificência ao reunir peças dos maiores épicos do cinema – além das características já mencionadas, também a longa duração (afinal, ainda não acabou). Justamente porque ainda não acabou, seria precipitado concluir se a produção teria ou não o potencial de ingressar no panteão dos inesquecíveis épicos históricos da sétima arte. Contudo, já é possível afirmar que é um épico de alto valor artístico (e não meramente financeiro).
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.