“O FALSIFICADOR” – Pequena obra de arte
Quando uma pessoa utiliza a expressão “obra de arte”, pode fazê-lo de maneira literal ou com intenção de elogiar a obra. Não há dúvida que O FALSIFICADOR seja uma obra artística em sentido literal; o tamanho do seu valor artístico, todavia, é questionável.
O jovem judeu Cioma Schönhaus está isento do serviço militar alemão em razão do seu trabalho como operário. Paralelamente ao emprego, surge uma oportunidade de forjar passaportes, o que ele encara como a criação de “pequenas obras de arte”. Cioma se empolga e salva vidas com as falsificações, mas encontra dificuldades em garantir uma identidade própria segura e assim salvar sua vida.
A diretora Maggie Peren utiliza bem o prólogo in media res para dar suspense à narrativa quando esta alcança aquele (em termos cronológicos). De maneira geral, porém, a direção não encanta, fazendo o óbvio com planos-detalhe da atividade falsificadora do protagonista (no pincel, na lupa etc.) e dependendo em demasia de uma estética protocolar. Na trilha musical, os ritmos são um pouco repetitivos; no visual, os recursos reiteram incessantemente a ideia principal de que o herói age na marginalidade. No primeiro caso, há uma similitude com falas também repetidas; no segundo, a obscuridade imagética – iluminação vertical, figurinos sem brilho, fotografia escurecida e prevalência de cenários fechados – traduz a sensação da atmosfera de ocultação na qual Cioma habita, a contragosto.
O protagonista, nesse sentido, é o que o filme tem de melhor, inclusive em prejuízo das demais personagens. A sra. Peters (Nina Gummich) é uma figura cuja primeira aparição sugere uma vilã, o que é desconstruído na segunda vez, tornando-a enigmática: ela age por altruísmo ou pensa apenas no próprio benefício? Seu ressurgimento ao final, porém, desnorteia Cioma e perde o impacto. Det (Jonathan Berlin) é estranhamente subaproveitado, dando a entender, constantemente, que será decisivo na trama, o que acaba sendo frustrante pela singeleza do arco que lhe foi atribuído por Peren, que também assina o roteiro (a partir do livro do verdadeiro Cioma Schönhaus). Igualmente, o drama de Lichtwitz (Yotam Ishay) é bastante vazio.
Resta a Louis Hofmann preencher a singeleza da mise en scène e a limitação do roteiro para fazer de Cioma um protagonista carismático. É verdade que direção e roteiro elaboram a personagem como alguém romântico e pueril: romântico, porque a submissão a Gerda (Luna Wedler) é praticamente imediata (ele revela seus perigosos segredos sem insistir em saber seu verdadeiro nome); pueril, porque se empolga também imediatamente com a atividade criminosa (e cada vez mais), mas sem perder uma inocência imprudente. Mas nada disso seria possível se não fosse o empenho em Hofmann em transmitir tamanha ingenuidade através de sorrisos e lágrimas: os sorrisos estão, por exemplo, ao receber os documentos para falsificação, ou quando Kaufmann finalmente elogia o seu trabalho como uma “pequena obra de arte” (expressão usada por Cioma na esperança de ouvir como qualificação para o que produz), ou ainda quando se livra, por (muita) sorte, das consequências do atraso em seu emprego; as lágrimas, mesmo tímidas, surgem quando a situação envolvendo alguém por quem tem apreço piora (ao menos do seu ponto de vista) sem que possa fazer nada para resolver.
Cioma é uma personagem fascinante porque à primeira vista é um desperdício, fruto de um dos mais tristes momentos da História – um promissor designer de arte que se sujeita a trabalhar como operário construindo armas -, contudo o fascínio encontra a mesma medida na surpresa de que, ao menos no início, ele não é talentoso (não quanto pode parecer) e acaba sendo empurrado por ventos favoráveis. A sorte está sempre ao seu lado: continua mentindo para Kaufmann, que demonstra saber que são mentiras perigosas, mas não é dispensado da tarefa de falsificação; Gerda tinha tudo para denunciá-lo, inclusive apesar do romance, mas nunca o faz. Isso sem contar o abrigo antiaéreo, verdadeiro deus ex machina. Tudo isso acaba sendo compensado, todavia, pelo ótimo desempenho de Hofmann, cuja interpretação leva o espectador a acreditar na sorte infantil da personagem (se a fortuna estava realmente a favor do verdadeiro Schönhaus, para fins dramáticos, isso precisava ser melhor trabalhado).
Muito em “O falsificador” é repetição de filmes similares sobre a Segunda Guerra, como passagens que revelam o difícil Zeitgeist, sobretudo para pessoas comuns (desconfiança, medo, barganhas etc.). Isso é praticamente o mesmo mimetismo praticado por Cioma (e verbalizado por Kaufmann), uma metáfora simples, mas eficiente, utilizada inclusive no script (as falas repetidas para as mulheres, o pagamento de uma refeição a um soldado, a ameaça de denúncia se objetos desaparecerem). Ou seja, o próprio longa, para sobreviver no mundo do cinema, imitou o que já foi feito antes. A produção, desse modo, é inquestionavelmente uma obra de arte, pequena não por seu tamanho (como as falsificações), mas por sua qualidade.
* Filme assistido na cobertura do Festival Filmelier no Cinema, de 2023.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.