“DUNGEONS & DRAGONS: HONRA ENTRE REBELDES” – Não é um filme da Marvel, mas é um filme Marvel
Existem duas expressões cuja inserção de uma simples preposição no meio as torna bastante distintas. “Filme Marvel” designa aquela produção que emprega as técnicas estilísticas e criativas que consolidaram os “filmes da Marvel” (leia-se, os filmes oriundos dos estúdios Marvel). Nem todo filme Marvel é um filme da Marvel e nem todo filme da Marvel é um filme Marvel (ainda que a maioria o seja). DUNGEONS & DRAGONS: HONRA ENTRE REBELDES não é um filme da Marvel, mas é um filme Marvel.
Depois de um período de prisão pela tentativa de furtar um artefato mágico, Edgin pretende reatar os laços com sua filha. Além disso, ele reúne um grupo com diferentes habilidades para tentar subtrair a relíquia novamente. É o começo de uma aventura perigosa com recompensas inestimáveis.
A produção, dirigida por John Francis Daley e Jonathan Goldstein e roteirizada por eles e Michael Gilio a partir da história de Gilio e Chris McKay, aplica fielmente a fórmula Marvel, razão pela qual o resultado é um filme Marvel. A opção faz sentido diante da inexperiência do quarteto – McKay tem “Lego Batman: o filme” no currículo para direção, mas os trabalhos de redação são inexpressivos; Daley e Goldstein dirigiram “A noite do jogo” e “Férias frustradas”, revelando alguma habilidade no humor -, pois aumenta as chances de boa receptividade de público, porém revela ausência de ousadia e de criatividade.
Elementos que fizeram sucesso nos filmes de super-heróis se repetem sem timidez, da ação (um spinning shot dos heróis rodeados pelas explosões causadas pelo vilão) à comédia (a personagem que não entende ironia). É fácil estabelecer paralelos entre personagens. Edgin é Peter Quill: aquele herói improvável, de backstory trágico, mas responsável pela maior parte das piadas; sem muitas habilidades, mas muita coragem (inclusive para atrasar alguém em uma situação de adversidade). Holga é a Viúva Negra: de origem guerreira, uma badass que pouco demonstra que, na realidade, tem sentimentos por amigos e interesses amorosos. Xenk é o Capitão América: anacrônico na não compreensão do discurso contemporâneo (expressões e ironias), mas de heroísmo manifesto e habilidades de luta sem iguais. Simon é o Homem-Aranha: o mais novo do grupo, facilmente impressionável e ainda um inseguro, apesar do grande potencial. Doric é o Homem-Formiga: relevante enquanto ferramenta para o grupo, mas sem destaque autônomo (salvo, no caso do super-herói, em seus filmes-solo, é claro).
A Marvel não é a única referência do longa, basta ver a sequência no subterrâneo para perceber as similaridades com o Balrog de “O Senhor dos Anéis” (salvador de um grupo inimigo, mas um novo problema), o que é bastante lógico em razão da inspiração medieval das duas obras. Nesse sentido, a trilha musical das obras também se aproxima (um estilo medievalesco), assim como a fotografia (planos gerais de natureza com montanhas, vulcões, neve, gramados etc.). Sem considerar o abismo relacionado a roteiro, elenco e direção, dentre outros, há uma diferença visual grande: a despeito de a adaptação da obra de Tolkien ser anterior, o CGI é consideravelmente superior ao de “Dungeons & Dragons”, que deixa muito a desejar (o dragão é pavoroso). Entretanto, “Honra entre rebeldes” não envergonha nas caracterizações, ora pela compatibilidade com o que propõe (a sobriedade sombria de Sofina a torna amedrontadora, os tecidos aveludados de Forge reforçam sua riqueza, a maquiagem dos mortos-vivos é boa), ora pelos fins cômicos (a falsidade da fantasia de Jarnathan é uma camada a mais de humor).
Ignorando as fragilidades e as conveniências de roteiro (ainda bem que Holga recuperou o Bastão Lá e Cá antes da ida ao subterrâneo!) e o vazio de personagens (Chris Pine, Michelle Rodriguez, Justice Smith e Hugh Grant estão no piloto automático de repetição de personagens idênticos aos que já interpretaram; Sophia Lillis está apagada; Regé-Jean Page é de inexpressividade gritante), o humor funciona muito bem, e em várias modalidades – textual (“a abandonamos pela razão certa”), visual (referência ao faroeste na luta entre magos), comportamental (o caminhar retilíneo de Xenk) e situacional (a reação de Forge ao dedo de Sofina na xícara de chá). Na ação a mise en scène é razoável, como no sobe e desce no show de Simon e o plano-sequência da fuga de Doric pelo castelo, e os diretores conseguem homenagear o jogo do qual o longa é fruto (a ponte subterrânea, o labirinto).
Paradoxalmente, a apresentação do universo D&D é tão rica que prejudica o resultado, pois a avidez em exibi-lo ao espectador alonga demasiadamente o filme. É positivo que a aventura medieval tenha um tom cômico, contrastando com a seriedade de seus similares, todavia o distanciamento de um estilo aproximou o longa de outro, relativo à fórmula Marvel, despindo-o de criatividade. Assim, a originalidade das masmorras e dos dragões é por vezes obscurecida por referências cinematográficas saturadas, como uma cena pós-créditos inútil com uma piada que na verdade nem é engraçada. Quando a fórmula é esquecida (o que também acontece, é claro), há um respiro de humor autêntico. Com mais ousadia e autonomia, o filme seria ótimo (e não “apenas”, talvez, divertido).
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.