“BELAS PROMESSAS” – Pouca vida nessa política
BELAS PROMESSAS lida perigosamente com a armadilha que pode cercar filmes que tratam dos bastidores da política institucional: desdobrar-se em tantas subtramas intrincadas que o quadro geral se torna hermético, impessoal e distanciado. Embora o drama francês trabalhe com os destinos de várias vidas, a própria narrativa parece estar afastada de qualquer sensação mais evidente de vitalidade artística. São poucos os momentos em que algo relativamente diferente acontece nas jornadas de Clémence e Yazid.
Clémence é a prefeita de uma cidade francesa no início da década de 1990 e Yazid é o chefe de seu gabinete. Em seus mandatos, ela assumiu o compromisso de ajudar os grupos mais desfavorecidos, em especial os moradores do conjunto habitacional no bairro Bernardins que sofriam com a insalubridade do local, a miséria e a exploração imobiliária dos proprietários. A luta para fazer uma grande reforma nos prédios seria sua última luta antes de deixar a carreira política, mas a proposta de se tornar ministra a deixa em dúvida sobre seus próximos passos. O dilema entre crescer na hierarquia política ou cumprir as promessas às classes baixas a coloca em uma espiral de intrigas e reviravoltas políticas.
Escrito a quatro mãos, o roteiro concebido pelo diretor Thomas Kruithof e pelo roteirista Jean-Baptiste Delafon propõe rapidamente a multiplicação de subtramas, arcos, conflitos e personagens. O trabalho para liberar o dinheiro necessário para reformar Bernardins é apenas o ponto de partida para a criação de outros núcleos, mantendo como característica recorrente a perspectiva da elite política sobre os acontecimentos encenados. A partir dessa premissa, a narrativa passeia por uma variedade de novos conflitos que entrelaçam tantas figuras de forma particular: a desesperança dos mais humildes diante das promessas dos políticos, a decisão de não pagar os aluguéis, a incerteza da protagonista quanto ao seu futuro político, os debates partidários sobre as eleições subsequentes, os acordos e divergências para o preenchimento de cargos, as mudanças inesperadas de alianças, entre outros. O grande problema é gerar um inchaço de pequenas histórias desenvolvidas de modo frio, impessoal e sem envolvimento do espectador.
O lugar distanciado em que o público é colocado dificulta o interesse pela jornada dos personagens, a curiosidade pelo desenrolar da trama e o impacto sensorial mais concreto com as imagens e as ações. Em resumo, as sensações dominantes são de apatia e indiferença, desencadeadas, principalmente, devido às escolhas formais de Thomas Kruithof. A construção visual dos planos é a mais banal possível por imprimir um tom naturalista que oculta ao máximo a movimentação da câmera e a montagem, uma vez que, por exemplo, os diálogos são basicamente filmados apenas em plano e contra-plano. Já os enquadramentos e a mise-en-scène são meramente ilustrativos do roteiro, tendo uma decupagem interessada apenas em permitir aos atores passarem o texto enquanto estão em reunião em sequências passadas em locações internas. Além disso, Isabelle Huppert e Reda Kateb constroem Clémence e Yazid como personagens excessivamente sóbrios e impassíveis, não chegando a transmitir ironia ou duplas intenções como seriam pertinentes nas situações que vivenciam.
À medida que o tempo passa, a obra identifica alguns rumos ligeiramente mais envolventes para atrair a atenção do espectador. Ao invés de continuar desenvolvendo muitas subtramas em paralelo, o diretor e roteirista separa dois núcleos centrais que possuem conflitos próprios. Em um deles, Clémence enfrenta grandes mudanças de rota em relação ao fim do mandato como prefeita, estando inclusive envolvida nas disputas em torno de possíveis sucessores, alianças, cobranças e acordos que deixam em dúvida se sua carreira política teria uma sobrevida ou não. Em outro segmento, Yazid trabalha diretamente com o projeto de reforma do conjunto habitacional, precisando lidar com as dificuldades de obter os recursos, convencer os moradores sobre a viabilidade das promessas e de superar traições ou armações contra ele. Nesse sentido, o segundo ato se sai melhor do que o primeiro por investir nas reviravoltas que tomam conta do alto escalão do poder, motivadas pelos interesses egoístas de autoridades poderosas. Ainda assim, faltam identidade para a construção estética e energia para as atuações e a decupagem.
No entanto, a narrativa não está totalmente carente de vitalidade. Existe maior intensidade visual e dramática a partir do momento em que a performance de Reda Kateb torna Yazid mais complexo. O personagem atravessa um arco dramático mais interessante ao repensar sua atuação política, deixando de lado atitudes moralmente duvidosas para priorizar um comportamento mais altruísta que pudesse ajudar os moradores pobres da cidade. Essa transformação proporciona momentos em que o ator pode abandonar a frieza impessoal para dar vazão ao que acredita e considera correto de forma passional, principalmente a indignação quando armam contra ele e o esforço quando quer concretizar o projeto de reforma. Por sua vez, esta nova postura não está presente no desenvolvimento de Clémence, pois a atuação de Isabelle Huppert mantém um rigor que não permite alcançar nuances emocionais ou dilemas internos. Como consequência, o filme se encontra em um atrito causado por dois núcleos desenvolvidos com princípios absolutamente opostos.
O contraste visível entre os dois personagens principais também se reflete na construção cênica e estética de algumas cenas. Se até então Thomas Kruithof decupava cada momento com uma sobriedade genérica e ilustrativa, o cineasta cria alguns aspectos mais interessantes em termos visuais para a subtrama de Yazid. É o que acontece, por exemplo, no senso de urgência colocado nas sequências em que ele precisa conversar com o maior número possível de moradores de Bernardins (uma montagem em paralelo que não precisa ser revolucionária, mas que já é capaz de dar uma roupagem menos banal do que se via anteriormente) e se comunicar com determinadas figuras políticas para levar adiante seu projeto. Porém, as escolhas formais mantêm o atrito que já se observava no estilo e na caracterização das atuações principais, pois o núcleo de Clémence continua pouco inspirado estilisticamente. Sendo assim, “Belas promessas” até pode concluir todas as subtramas, mas sem adquirir vivacidade estética e dramática por muito tempo. E quando parece que vai conseguir algo mais vigoroso, o processo é morno demais.
Um resultado de todos os filmes que já viu.