“HOMEM-FORMIGA E A VESPA: QUANTUMANIA” – Uma caixa de Schrödinger de muitas e poucas personagens
Quase como um Gato de Schrödinger que consta nele como referência expressa, HOMEM-FORMIGA E A VESPA: QUANTUMANIA é um filme com muitas e poucas personagens. Janet, Hank, Scott, Hope, Cassie, Kang, Modok, Krylar, Jentorra, Veb: são muitos nomes para pouco desenvolvimento. Por outro lado, três deles são projetos de personagens que, se fossem desenvolvidas, dariam virtudes a uma produção que se contenta em ser uma peça imageticamente chamativa em um mosaico mal-montado.
Hank Pym, Hope Van Dyne e Cassie Lang vêm explorando o Reino Quântico sem o conhecimento da esposa de Hank e mãe de Hope, Janet, e do pai de Cassie, Scott. Quando Janet e Scott descobrem, é tarde demais: os cinco vão parar nesse universo secreto fora do espaço e do tempo, onde tudo é diferente daquilo com o que estão acostumados. Apenas Janet tem noção do perigo que estão prestes a enfrentar, personificado em um vilão superpoderoso.
Do ponto de vista visual, o diretor Peyton Reed (também responsável por “Homem-Formiga”, de 2015, e “Homem-Formiga e a Vespa”, de 2018) tem no longa de 2023 o melhor da trilogia. O primeiro plano do filme (repetido depois como establishing shot) simplesmente parece uma pintura, uma mescla entre caverna e céu enevoado com cores belíssimas. O design encanta nos primeiros minutos, contudo há três ressalvas relevantes. Quase todos os cenários são desenvolvidos em chroma key (são pouquíssimas cenas com cenários reais, já que não tarda para a aventura no Reino Quântico se iniciar), porém seria enriquecedor explorar mais texturas que elevassem o nível da experiência. Além disso, a referência à saga “Star Wars” (principalmente “Episódio IV: uma nova esperança” e “Episódio V: o Império contra-ataca”) é tão clara que reduz consideravelmente o potencial de encanto. Os elementos podem ser diferentes, mas sua ideação é idêntica: aliens esquisitos e monstruosos, ambientes perigosos, bares clandestinos etc. Por via de consequência, ainda, a pirotecnica das cenas de ação rapidamente se torna entediante, dada a criatividade diminuta.
Como se não bastasse a falta de originalidade estética em razão do reaproveitamento do(s) clássico(s) de George Lucas, o roteiro de Jeff Loveness é também narrativamente uma repetição de “Star Wars”. Somam-se aos elementos mencionados, por exemplo, os informantes nem sempre confiáveis e os soldados que trabalham para um ditador. O texto é também bastante limitado, para dizer o mínimo, considerando suas falas estúpidas (como Cassie pode perguntar onde estão? Onde mais estariam, se não no Reino Quântico?) e suas conveniências infindáveis (do deus ex machina das formigas à facilidade de abrir celas). O pensamento poderia ser: é apenas um filme voltado ao público infantil, razão pela qual essa simplicidade não seria problemática. De fato, o humor é satisfatório para crianças de oito anos que gargalham com piadas sobre orifícios, sem contar que, em ocasiões episódicas, a comédia pode extrair ao menos sorrisos dos adultos (a sequência com Krylar é razoável, muito graças à habilidade de Bill Murray). Entretanto, se a produção mirasse apenas nas crianças, não haveria, por exemplo, a menção ao Gato de Schrödinger. Ainda no roteiro, é incômoda a sensação de urgência para o nada: não demora para as personagens viajarem para o Reino Quântico e os perigos do local são imediatos, mas, a bem da verdade, são duas horas em que pouco acontece.
Não são nem esses os principais problemas de “Quantumania”. Há no longa um defeito quantitativo e qualitativo concernente às suas personagens: são muitas e mal desenvolvidas. Fiel à sua origem, o Homem-Formiga de Paul Rudd tem uma forte veia cômica, o que não seria ruim se não fossem os conflitos que nunca são trabalhados (a ausência na criação da filha, a crítica de que não tem feito nada em sua vida, os reveses da fama). O mesmo ocorre com Cassie (Kathryn Newton, em boa atuação), que é uma adolescente-problema em um momento para em seguida afirmar saber cuidar de si e depois o assunto ser negligenciado. Poderia ser desenvolvido, por exemplo, o ímpeto da jovem em ajudar aqueles que precisam, em confronto com o instinto protecionista do pai – o tema está lá, todavia, de maneira apenas superficial.
Enquanto o Hank de Michael Douglas marca presença apenas numérica, a Janet de Michelle Pfeiffer é certamente o que o longa tem de melhor. Além de a atriz ter a melhor interpretação do elenco, sua personagem (a única realmente boa) é fundamental porque move a narrativa (não é sujeita a ela como Scott), é quem tem mais conhecimento sobre o vilão, tem as melhores cenas de luta e se depara com o melhor (ainda que breve) conflito (o dilema ético de voltar ao convívio da filha às custas de mundos destruídos). Jonathan Majors não faz feio em termos de interpretação, mas a ameaça de Kang, ao final, soa superestimada e restrita a uma tecnologia futurística. Seu overpower não impressiona nem convence, como na tortura invisível feita em Scott e Cassie (circunscrita a levitação, gritos e expressões faciais falsas), que só não é mais ridícula que o MODOK de Corey Stoll, quiçá o ápice da “vergonha alheia” do Universo Cinematográfico Marvel. Um universo que, por sinal, perdeu a coesão na Fase 4 (posterior a “Homem-Aranha: longe de casa”) e tem uma Fase 5 cuja estreia é bem fraca.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.