“PERLIMPS” – Uma odisseia de impressionismo infantil
Não é de hoje que a animação tem se habituado a uma enchente de novas possibilidades. Do fotorrealismo à reinvenção dos traços feitos em 2D, os desenhos animados tem descobertos cada vez mais maneiras de lapidar os seus microcosmos, encontrando na abstração diversas frentes de discussão temática. Nesse processo, é sempre interessante descobrir projetos que se voltam para a sua capacidade de subversão do real, investidos na emulação de ferramentas exclusivos desse campo cinematográfico. Apesar do leve didatismo, autorizado pela classificação indicativa, esse é o caso de PERLIMPS, animação brasileira que em muito se beneficia do seu universo colorido.
Habitantes de um mundo dominado pelos temidos “gigantes”, os espiões Claé e Bruô descobrem estarem trabalhando em um mesma missão. Representantes de tribos rivais, os lendários reinos “do Sol” e “da Lua”, eles se veem forçados a superar as suas diferenças enquanto buscam o seu misterioso objetivo: encontrar os mitológicos “Perlimps”. Ao longo de sua difícil jornada, eles aprenderão que certas crenças devem ser questionadas, e que o destino do mundo pode estar nas suas mãos.
Indicado ao Oscar pelo aclamado “O Menino e o Mundo”, filme sem diálogos que aplica magistralmente a sua proposta visual, o retorno de Alê Abreu à direção é de encher os olhos. Investindo na forte associação entre espectador e personagem, merece destaque a maneira como ele constrói, visualmente, a sua ambientação. Para isso, ele mistura traços mais sólidos, dando contornos à imagens mais estabelecidas – caso dos protagonistas e das camadas vegetais em primeira plano -, e pinceladas de impressões, que encaram a tela do cinema como um verdadeiro quadro de pinturas.
Isso permite uma espécie de suspensão daquele cenário, colocado em um estado de constante ressignificação perante a imaginação da dupla de protagonistas. Ingênuos, eles diversos espaços significados pelas histórias que ouviram desde à infância, obrigados a testemunhar as ruínas de sua própria mitologia e compreender a manipulação de certos discursos históricos. Vale também apontar que o trabalho dos dubladores Lorenzo Tarantelli e Giulia Benite bem explora a fragmentação gradual dessa pureza aparente, conforme o bom dimensionamento que eles conferem à variação de seus humores e tons de voz.
Tal traço acaba por funcionar tanto em uma esfera mais primária, de desenvolvimento dessas personagens guiadas por doutrinações incompletas – e que assim corrobora com a inocência do público mais imediato ao qual a produção se volta -, e bem como a essa construção estética. É como se os traços de caráter mais “impressionista” permitisse uma margem para o flerte com o desconhecido, estimulado pelo imaginário daqueles que estão dentro e fora da tela.
No que diz respeito ao discurso principal da obra, que alavanca um discurso bastante ambientalista, não há como negar a presença de um teor mais didático. Nem por isso, todavia, deixa de existir uma mesma inteligência no design dos antagonistas, por exemplo, cujos desenhos mais linearizados, distantes da liberdade visual do espaço florestal, sugerem um abrutecimento daquele espaço causado pela modernidade de destruição do meio ambiente.
Ainda assim, seria injusto dizer que a evolução dos protagonistas orbita completamente essa fala de conscientização, capaz de também se constituir nas própria complexidade daqueles figuras que, por mais adoráveis que sejam à primeira vista, são também atravessadas pelos desafios do orgulho interno e pela problemática de constituição de uma doutrina e identidade única. Esse último culmina, inclusive, em uma conclusão surpreendentemente madura, corajosa por não oferecer soluções simplistas e muito menos ignorar a dualidade das figuras que estamos fadados a acompanhar.
Desse modo, “Perlimps” se destaca pela inteligência de seu acabamento visual, que bem reconhece a exclusividade que a animação oferece na construção de narrativas audiovisuais. Para além do acabamento estético, entretanto, chama a atenção a maneira como Alê Abreu associa a suspensão de sua floresta imaginária à índole de suas próprias personagens. Isso configura uma interessante jornada sobre identidade e mitologia, que admite que, para além da concretude existencial de qualquer “Perlimp”, a importância está nas ações que tomamos diante daquilo em que escolhemos acreditar.