“OPERAÇÃO HUNT” – Guerra das Coreias
O Ocidente no geral costuma desconhecer as histórias e as rivalidades no Oriente. Desde o imperialismo japonês do século XIX, Japão e Coreia entraram em conflitos. Durante a Guerra Fria, Coreia do Norte e Coreia do Sul começaram uma guerra sem um resultado definitivo que ainda deixa marcas no mundo contemporâneo. Esta oposição ideológica forma simbolicamente o que há de melhor em OPERAÇÃO HUNT: o embate entre os personagens principais sob a roupagem de um conflito entre as duas Coreias. Porém, a maior qualidade do filme é um aspecto esporádico de sua encenação.
Kim Jeong-do e Park Pyong-ho são agentes do governo sul-coreano. O primeiro é o chefe da Unidade Doméstica e o segundo é o chefe da Unidade Estrangeira, sendo cada um deles responsável por proteger o presidente em meio aos protestos contra o autoritarismo do governo e às conspirações para assassiná-lo. Além disso, os dois agentes se enfrentam para descobrir a identidade de um espião norte-coreano infiltrado para levar adiante um plano contra a Coreia do Sul.
Tal qual um passado distante que ainda não dividia as Coreias, o primeiro ato sugere que Kim e Park estão do mesmo lado para garantir a segurança do presidente sul-coreano. Nesse sentido, a tentativa de atentado e os protestos populares evocam um realismo histórico que diz respeito à situação da Coreia do Sul nos anos 1980. O país vivia um período de agitação social decorrente de uma ditadura militar e do apoio estadunidense ao regime vigente, retratado pela primeira sequência de ação. A abertura é capaz de indicar como o diretor Lee Jung-jae encena os momentos de perseguição, confrontos físicos e troca de tiros com uma coreografia estilizada, planos relativamente longos e a exploração dinâmica das locações. Em contrapartida, não leva muito tempo para a narrativa adicionar diversos personagens e subtramas que provocam a formação de um emaranhado intrincado de acontecimentos e conflitos nem sempre tão próximos aos dois protagonistas, estes sim pontos mais interessantes da obra.
É verdade que tramas de espionagem já possuem um nível de complexidade alto por essência, dados à natureza enigmática dos personagens e o roteiro repleto de nuances, reviravoltas e sutilezas. Apesar disso, a condução da investigação quanto ao espião norte-coreano sofre com o choque oscilante de virtudes e problemas. Por um lado, é benéfico criar um filme de espionagem dentro da tensão entre as duas Coreias ao invés de recorrer à clássica oposição EUA e URSS; por outro, a complexidade da história esbarra no inchaço de núcleos, exemplificado na relação entre Park e Jo Yoo-jeong. Se as interações entre os dois agentes crescem por conta da apresentação de semelhanças entre eles, principalmente o fato de serem moralmente questionáveis ao utilizarem tanta violência em seus trabalhos, os flashbacks que deveriam desenvolvê-los dramaticamente emperram a narrativa. Ainda assim, a analogia com a rivalidade das Coreias se intensifica chegando a um estágio mais hostil de separação conflituosa.
A partir do momento em que o filme incorpora a estética de espionagem, a sensação de realismo histórico abre espaço para a ficção histórica. Tomando como ponto de partida o contexto doméstico e internacional da Coreia do sul na década de 1980, Lee Jung-jae imagina o que poderia ocorrer se o conflito entre as Coreias paralisado nos anos 1950 fosse retomado. Nas especulações do cineasta, o medo constante de uma guerra de grandes proporções desencadeado pela Guerra Fria levaria os dois países a mergulharem em um quadro perigoso de agências secretas, espiões, traições e planos obscuros. Por sinal, este último elemento move o segundo ato por completo ao abordar as estratégias para assassinar o presidente sul-coreano, as desconfianças em relação ao inimigo infiltrado e as implicações de um eventual atentado bem-sucedido. No entanto, tudo isso é feito a partir da criação de um número extenso de reviravoltas que, se pretendia surpreender o público e deixá-lo tenso, acaba desgastando o mistério e afastando possíveis interessados em acompanhar todos os acontecimentos. Por que tentar descobrir o que acontecerá se a obra se esforça para dificultar o processo?
No segundo ato, o paralelo entre a guerra das Coreias e as hostilidades entre os protagonistas se desenvolve em direção a confrontos mais graves. Entre 1950 e 1953, os dois países guerrearam por conta do desejo dos norte-coreanos de reunificar o território sob o socialismo. Na narrativa, Kim e Park transformam as respectivas investigações em uma verdadeira perseguição aos oponentes, incluindo vigilância, suspeitas quanto a sua integridade e artimanhas para sua incriminação. O que seria a descoberta da verdade se torna um embate direto entre eles, em especial porque os dois agentes estão longe de serem heróis preocupados com os limites de suas ações. Os atores Lee Jung-jae e Jung Woo-sung conseguem, inicialmente, dar aos dois personagens uma dimensão misteriosa capaz de levantar dúvidas sobre ambos e deixar em aberto se um deles seria o espião infiltrado. Com o tempo, os intérpretes mantêm a expressão corporal dura e enigmática como única característica significativa, o que impõe atuações monotemáticas sem maiores nuances para figuras complexas.
Após passar boa parte de sua duração criando relações e conflitos complicados em demasia, “Operação Hunt” fornece algumas respostas. Mesmo deixando a impressão de que alguns pontos da trama permanecem desnecessariamente indefinidos, o filme reconfigura o confronto entre Kim e Park e suas motivações questionáveis para a participação na solução da crise na Coreia do Sul. A revelação de que os dois personagens são anti-heróis movidos por meios violentos dá outros sentidos para a analogia com a guerra das Coreias. Os dois homens e os dois países assumem uma aliança inusitada e uma condição temporária de coexistência pacífica. No clímax do terceiro ato, uma sequência de ação grandiosa potencializa esse paralelo temático e representa a volta de um estado belicoso para Kim e Park, elementos que insinuam que poderia haver um bom suspense de espionagem perdido em algum lugar. Isso porque o embate entre os protagonistas é a virtude que, muitas vezes, é enfraquecida e deixada de lado.
Um resultado de todos os filmes que já viu.