“A PROFECIA DO MAL” – Avalanche de escolhas desencontradas
É possível falar de crenças em algo maior, anjos e demônios e guerra entre bem e mal no tecnológico e cético século XXI? Este questionamento até surge em determinado momento de A PROFECIA DO MAL, embora não se possa afirmar que seja a base dramática de um filme que se esquece da pergunta feita nos primeiros minutos. Ao longo da narrativa, a questão mais concreta pode ser esboçada em outros termos: como foi possível reunir tantas escolhas discrepantes e duvidosas acreditando que se poderia formar um resultado minimamente coeso e divertido?
A começar pela sinopse, a obra não dá sinais de ser algo discreto. Uma empresa de biotecnologia criou uma tecnologia que permite usar fragmentos de DNA de pessoas influentes na história para cloná-las. Entre os responsáveis pela criação está um grupo de satanistas que pretende libertar Lúcifer do inferno e trazê-lo para a Terra através do roubo do sudário de Cristo para obter seu DNA. Sem saber, a historiadora de arte Laura terá papel relevante nessa conspiração e precisará da ajuda do arcanjo Miguel para salvar toda a humanidade.
Na análise imediata da história e de seu desenvolvimento, a produção tenta combinar elementos variados em pouco tempo. As sequências iniciais do primeiro ato tratam da versão cristã para a queda de Lúcifer do céu, da iconografia religiosa estabelecida pela Igreja Católica, da ligação histórica entre arte e religião na Itália, da crença da utilização da tecnologia para fins místicos e da possibilidade de um apocalipse. Além da dificuldade de integrar tais aspectos, o roteirista Ed Alan não estabelece cada dimensão temática por si só e já passa para a seguinte como se pretendesse construir um arcabouço grandioso o mais rápido possível. Porém, o que se observa é uma execução artificialmente épica porque muitas oportunidades dramáticas são cortadas pela metade ou abandonadas sem cerimônia. Em consequência, cria-se um emaranhado de relações confusas entre história, arte renascentista, tecnologia fantástica e extrapolação religiosa.
Muitos personagens mal apresentados ou subdesenvolvidos também dificultam a construção de uma unidade dramática coerente. O arcanjo Gabriel precisa de um receptáculo humano para confrontar o grupo de satanistas, o que é encenado como um trecho deslocado de comédia (sua aparição para dois bispos que assistiam ao sistema de segurança de uma igreja parece um esforço deficiente de gerar humor) ou de ação (seu deslocamento para a primeira parte da missão se assemelha a uma aventura cool e espertinha). A historiadora Laura é introduzida como uma mulher cética que duvida da existência de anjos, demônios ou outras entidades místicas por guiar sua vida e dar sentido aos acontecimentos a partir de uma leitura racional e científica, mas essa característica não se torna um conflito para ela quando se vê dentro da conspiração satanista e simplesmente desaparece. E a principal vilã, Liz, é caracterizada como uma caricatura ambulante sem a percepção dos realizadores, alternando-se entre a líder perigosa até para seus seguidores e a pseudointelectual capaz de discursar sobre seus planos.
Caso a perspectiva seja um pouco diferente, a sensação de caos desgastante ainda atinge o público que analise as escolhas formais do diretor Nathan Frankowski. Ele parece não saber que tipo de história quer contar, já que a abordagem muda constantemente sem estar em sintonia com o que veio antes ou depois. Como filme de terror, falta coesão para ser uma trama de espíritos, de violência explícita, de possessão demoníaca ou uma mistura particular de cada um subgênero. Em momentos específicos, falta maior discernimento para saber como utilizar passagens cômicas sem parecer um grande constrangimento coletivo, e construções típicas de filmes de ação sem remeter a um exemplar genérico com um personagem valente que invade um local superprotegido e elimina um inimigo atrás do outro. E, mesmo quando o terror parece assumir maior preponderância, a obra lembra muito mais uma fantasia científica que se passaria em um mundo novo semelhante à nossa realidade – é a sensação deixada por uma trama com profecias, criaturas inumanas, poderes místicos e escolhidos para uma grande missão.
Não há nem sequer um uso mais consistente da linguagem cinematográfica para traduzir visualmente a história de uma guerra entre céu e inferno. Os efeitos visuais não seguem um princípio claro entre sugerir alguma noção de naturalismo ou abraçar de vez uma fantasia mais intensa, o que fica evidente na composição de tudo relacionado a Lúcifer. A criação de uma primeira atmosfera de terror, ainda na igreja onde as primeiras complicações narrativas ocorrem, depende do tipo de jump scare mais pobre possível inclusive com sustos provocados por animais surgidos inesperadamente. As escolhas para a iluminação não fogem do óbvio ao mergulhar a maioria das cenas na mais profunda escuridão, chegando a dificultar a visualização dos personagens e da ação (algo até bem-vindo em algumas ocasiões para ocultar os efeitos visuais). O único aspecto que proporciona algum efeito pontualmente mais interessante é a trilha sonora, usada em uma cena para fazer conflitar uma atitude violenta de profanação da vida com cânticos religiosos, apesar de o resto da narrativa conter um acompanhamento sonoro sem maior criatividade.
A combinação de uma trama rocambolesca em que as partes fazem pouco sentido entre si, de estilos narrativos heterogêneos sem costura entre eles, de personagens carentes de conflitos próprios ou de uma estrutura interna consistente e de uma encenação paupérrima ocasiona um custo muito alto para “A profecia do mal“. Como lidar com decisões tão desconjuntadas e mal executadas enquanto a narrativa se desenrola? Para infortúnio dos espectadores, a tentativa de resposta adotada pelos realizadores não é das mais agradáveis. O fluxo da trama traz sequências que se resolvem tentando dar um valor maior do que elas efetivamente têm, adota um tom solene que se dá muita importância e faz os personagens repetirem discursos autoindulgentes. Sendo assim, o filme busca uma escala grandiosa que jamais se concretiza por culpa de um ritmo cansativo que faz as quase duas horas parecerem durar o dobro e de um punhado de frases de efeito absolutamente constrangedoras. Como coroação, o último take se leva tão a sério que não percebe o humor involuntário que deixa um sabor amargo ao fim da sessão.
Um resultado de todos os filmes que já viu.