“BABILÔNIA” – A montanha pariu um rato
Independentemente da opinião que se tenha sobre a qualidade de BABILÔNIA, é inegável a sua ambição. Mesclando homenagem com denúncia, suas mais de três horas são um frenesi quase surreal sobre os bastidores da indústria cinematográfica na Era de Ouro de Hollywood, uma época em que a glorificação do star system (nomes como Garbo, Monroe e Keaton) ofuscava o germe da podridão. Este amálgama ousado, todavia, resulta em algo muito aquém do que objetiva.
Nellie e Manny têm algo em comum: o sonho de trabalhar em Hollywood (ela como atriz, ele fora das telas). Na mesma festa, enquanto ele conhece Jack, um ator de quem ganha a simpatia, ela tem a sorte de ser escolhida como substituta de uma atriz. Entre farras e filmagens, porém, o caminho dos dois é tortuoso.
Assim como em seus três trabalhos anteriores, o diretor Damien Chazelle entrega um filme de técnica irretocável. No figurino, o vestido vermelho de Nellie é a tradução do ardor com que almeja a fama. Na maquiagem, um sinistro Tobey Maguire se distancia de recordações aracnídeas. Na fotografia, o uso do dourado transpõe o Zeitgeist na sua aparência. Na trilha musical, Justin Hurwitz compõe lindamente – ainda que, pela segunda vez, repita a melodia de “La La Land” (autorreferências não são incomuns, como fez John Williams em “Esqueceram de mim” e “Harry Potter”) e ainda que mais originalidade fosse salutar (“Hearst party” só tem impacto por referenciar “Boléro”, de Ravel). Na mise en scène, Chazelle tem consciência da importância de bem posicionar o centro de interesse (como na cena em que Jack conversa calmamente enquanto Manny, em segundo plano, foge). Entretanto, por trás deste invólucro inegavelmente congratulável, há um enorme e frustrante vazio, quando não opções questionáveis (“aquilo tudo era mesmo necessário?” receberia “não” como resposta em inúmeras cenas).
O enorme vazio é consequência do frágil roteiro de Chazelle e de seus excessos abusivos (e o pleonasmo pode até mesmo ser eufemístico), que estão intimamente conectados. Há uma sequência de festa de cerca de meia hora, antes de o nome do filme aparecer, em que não acontece praticamente nada. A torturante narrativa se desenvolve entre chiliques, cenas de filmagem e respiros. Os chiliques são uma constante: a cada dez minutos, quando não menos, há uma personagem histérica xingando alguém, gritando ou reclamando de algo. As cenas de filmagem poderiam ser boas, mas são prejudicadas por exageros, geralmente no humor. É o que ocorre com a insuportavelmente longa (mais um eufemismo) sequência de filmagem com Nellie em um filme falado. Das duas, uma: ou Chazelle considera o espectador idiota o suficiente para não entender a ideia após três repetições, ou seu entusiasmo com a piada é reflexo de egolatria. Existem, contudo, respiros diante dessa bagunça: o monólogo de Elinor (Jean Smart) sobre a eternidade do cinema é bonito, mas pouco valorizado no meio de tamanha poluição.
“Babilônia” é uma orgia (não raras vezes, literal) composta de escatologia, hipocrisia e histeria. A escatologia simboliza a podridão hollywoodiana, mas isso é melhor representado, por exemplo, na greve dos funcionários, escancarando que a vontade maior de Chazelle é chocar – sem êxito, contudo. Baz Luhrmann, Ruben Östlund e Lars von Trier são diretores (cada um à sua maneira) que exageram; Chazelle faz emboscadas contra sua própria produção, algo que nenhum deles faz. As dificuldades práticas na transição do cinema mudo para o falado, a objetificação das mulheres e a condenação do blackface são ideias muito boas, que, todavia, são arruinadas por escolhas ruins do cineasta. Respectivamente: a longuíssima sequência é engraçada nas três primeiras repetições, depois, se torna enfadonha; é louvável o desempenho de Margot Robbie para tentar enriquecer a promissora Nellie, mas a unidimensionalidade da personagem (uma mulher de origem humilde que se perde nos vícios e não se adéqua à fabricação que lhe é exigida) não permite qualquer aprofundamento, além disso, a atriz é filmada contraditoriamente como objeto; de maneira semelhante, Jovan Adepo transmite emoção na indignação de Sidney, mas é bastante evidente que a personagem está lá apenas para que um ator negro represente o jazz (crítica sofrida por Chazelle em “La La Land”), dada a maneira desconexa com que ingressa e some da narrativa.
O roteiro não precisaria criar personagens ricas (aliás, cria algumas inúteis, como Lady Fay e George), mas sua dependência dos chiliques é enervante, assim como o alongamento desnecessário de praticamente tudo o que está lá. Brad Pitt, por exemplo, interpreta uma personagem apagada cujas melhores cenas são idênticas: tranquilidade diante do caos ao seu redor (a corrida de Manny, a ligação na tenda e a cobra). Uma piada repetida tantas vezes simplesmente perde a sua graça. Ao final, aparentemente perdido, primeiro, o filme injeta uma crise para dar um desfecho à trajetória de Nellie (a sequência subterrânea é visualmente bonita e cria uma atmosfera coerente, mas é absolutamente desconexa de todo o resto do filme), e, depois, tenta dar coesão narrativa através de Manny. Diego Calva surpreende pelo bom desempenho ao lado de gigantes como Robbie e Pitt, mas o arco de Manny é bastante opaco.
Diante disso tudo, as referências a clássicos se tornam afrontosas tanto pela desnecessidade quanto pelo pedantismo de um pretensioso Chazelle. “Babilônia” é um épico grandioso em extensão, não em qualidade. Há inúmeros filmes que homenageiam a sétima arte, inclusive mostrando seu lado menos cândido. Há um clássico (da literatura, não do cinema), que serve de referência para o filme – não por seu conteúdo, mas pelo seu título: “Muito barulho por nada”.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.