“ESQUEMA DE RISCO – OPERAÇÃO FORTUNE” – Não há autenticidade (nem qualidade) na zona de conforto
Quando está inspirado, Guy Ritchie assume a direção de filmes diferentes como a sua versão de “Sherlock Holmes” e de “Rei Arthur: a lenda da espada”, ou mesmo longas próximos ao estilo com o qual está acostumado, porém mais divertidos, como “O agente da U.N.C.L.E.”. Não é esse o caso de ESQUEMA DE RISCO – OPERAÇÃO FORTUNE, produção na qual o cineasta repete praticamente tudo o que ele mesmo já fez antes e já era reciclado de outras obras.
Mais uma vez, o agente especial Orson Fortune é recrutado para uma missão para impedir a venda de uma tecnologia capaz de abalar a ordem mundial. Para isso, sua equipe conta com as habilidades de Sarah e JJ, além de Danny Francesco, um famoso ator de Hollywood que serve como isca para o alvo, o bilionário Greg Simmonds.
Na filmografia de Guy Ritchie, “Esquema de risco” é precedido de “Infiltrado” (clique aqui para ler a nossa crítica), de 2021, e “Magnatas do crime” (2019), dos quais, no fundo, pouco diverge. É verdade que os plots são distintos, mas criminalidade e clandestinidade são elementos presentes nos três e pelos quais o cineasta ficou conhecido desde “Jogos, trapaças e dois canos fumegantes”, de 1998. À época, seu estilo era atrativo, o que se repetiu em “Snatch: porcos e diamantes”, de 2000, mas que certamente se desgastou e não tem brilho algum em 2023.
É de se notar que, das cinco obras citadas, Jason Statham está em três, o que não seria um problema não fosse o fato de o ator interpretar sempre a mesma personagem. São vários os diretores que repetem a escalação de seus elencos; no caso da dupla Ritchie-Statham, o inconveniente é a repetição que acaba desgastando o molde do qual Ritchie parece tanto gostar. Na prática, portanto, Statham tem em Bacon (1998), H (2021) e Orson (2023) quase a mesma personagem: um homem brutal que pouco apanha e muito bate, extremamente sério e geralmente mal-humorado, envolto em um panorama obscuro de crimes do qual de alguma forma adquire centralidade (a favor ou contra a prática criminosa).
Não surpreende que os colegas de roteiro de Ritchie, Ivan Atkinson e Marn Davies, sejam os mesmos em 2023, 2021 e 2019 (e, não à toa, os filmes de 1998 e 2000, que são superiores, têm script assinado apenas por ele): a repetição é a palavra de ordem para ele nesta frustrante sequência. São três os pilares textuais: narrativa plot-driven, alívios cômicos de eficácia diminuta e clichês infindáveis.
O resultado desta narrativa plot-driven são personagens completamente ocas e avanço narrativo dependente de uma rede ao redor da empreitada, de uma montagem ágil e de diversas cenas de ação (lutas, perseguições etc.). “Esquema de risco” tem uma rede na qual a equipe de Orson compete com um grupo rival com o mesmo objetivo, além das associações criminosas que eles tentam frustrar. Isso poderia tornar o roteiro mais complexo, porém apenas alonga desnecessariamente a narrativa. No que se refere à montagem, Ritchie emprega em demasia a montagem paralela, o que realmente confere agilidade à trama (por exemplo, enquanto Nathan recruta Orson e o informa da equipe montada, Orson já está entrando no avião, ou então enquanto Sarah atrasa Ben na conversa em frente ao quadro, Orson luta com Vincent).
Mais do que personagens ocas, sua utilização se limita a cenas de ação ou de alívio cômico, sem nenhum conteúdo além disso. Enquanto Statham fica com quase toda a ação, Aubrey Plaza, Josh Hartnett e Hugh Grant se dividem no humor. Sarah (Plaza) não tem seu potencial bem explorado, na medida em que seu sarcasmo (pelo qual a atriz ficou conhecida desde a série “Parks and recreation”) pouco aparece – ainda assim, ela é a melhor do elenco. A cena em que a música “Raindrops keep fallin’ on my head” sai da televisão (uma homenagem a Paul Newman em “Butch Cassidy”, claramente uma inspiração para Ritchie) e vira extradiegética demonstra certa dificuldade de Ritchie em lidar com o humor, seja pela sugestão sexual via ASMR na voz de Plaza sem relação alguma com o conteúdo da cena, seja pelo descompasso entre a canção e a própria cena (se Statham tivesse habilidade cômica, talvez o choque fosse produtivo). Por sua vez, Hartnett consegue ser episodicamente engraçado com uma risada aguda e o desconforto convincente de Danny, mas não é nada que já não tenha sido visto. O mesmo vale para Grant, o bilionário genérico que esbanja suas riquezas enquanto guarda segredos previsíveis. O overacting dos dois é outro recurso banal que, diante da falta de originalidade, drena o potencial cômico.
“Esquema de risco – Operação Fortune” não precisava ser completamente original, precisava ser autêntico (sincero e verdadeiro, não genérico). O filme é um puro arremedo, uma seleção ruim de tudo que já foi feito por um outrora criativo cineasta. Independentemente da qualidade das obras, Ritchie já trabalhou de maneira inventiva com personagens como Sherlock Holmes, Rei Arthur e Aladdin, demonstrando a possibilidade de ser autêntico sem originalidade plena. A zona de conforto em que trabalhou nas últimas produções não é compatível com autenticidade, tampouco com qualidade.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.