“DÍVIDA PERIGOSA” – O descrédito de Jared Leto
Depois de “Clube de compras Dallas”, parecia que Jared Leto ia engrenar a sua já profícua carreira. Não foi o caso: “Esquadrão Suicida” foi uma mancha em seu currículo, inclusive em razão da sua atuação, enquanto “Blade Runner 2049” recebeu elogios, mas não por seu trabalho. Que Leto é talentoso parece não haver dúvida, mas DÍVIDA PERIGOSA é um projeto fraco do qual ele não deveria ter participado.
No filme, Leto vive Nick, soldado estadunidense preso no Japão durante a Segunda Guerra, mas que é solto depois de ela encerrar, graças ao seu antigo colega de cela, Kiyoshi, que havia recebido a sua ajuda para sair de lá. Nick então recebe de Kiyoshi a oportunidade de integrar a Yakuza, aprendendo aos poucos como agir enquanto representante da máfia.
O primeiro problema do filme é a vagueza do roteiro. Salvo pela questão dos dedos, especificidade da Yamaguchi Gumi (nome verdadeiro da Yakuza, que, na verdade, significa máfia), o filme poderia envolver os Yardies, a Tríade chinesa, a Bratva ou a Camorra, se passando em dias atuais, sem prejuízo algum. Isto é, as idiossincrasias do Japão pós-guerra (e dessa máfia em particular) são absolutamente ignoradas, no que resulta em um filme genérico. A primitividade do grupo, negociações e a valorização da honra da família são temas presentes, porém não se pode afirmar que isso é peculiaridade nipônica – tampouco o são as tatuagens dos integrantes, já que tatuagens são marcas comuns em associações criminosas.
Vivendo o gaijin (estrangeiro), Jared Leto é igualmente genérico: o ator tem como melhor atributo o estado do seu corpo (muito magro, parecendo ainda mais frágil depois que tira a barba), todavia é incômoda a maneira apática pela qual ele interpreta Nick. Exemplo disso é a cena em que Nick encontra Paulie, este vivido com empolgação por Emile Hirsch, enquanto aquele soa indiferente. Nesse quesito, Tadanobu Asano é muito melhor com Kiyoshi, apesar do espaço reduzido (e da decepção do papel promissor, que somente cria expectativa de ação), e Min Tanaka rouba a cena como Akihiro.
A rixa entre as famílias Shiromatsu e Seizu é bastante clara no plot, diferentemente do que ocorre com o subplot do porto, cuja ausência de explicação torna um pouco esquisita a sequência do primeiro trabalho de Nick. Sem surpresa, o script não tarda a apresentar um amor proibido ao herói, proibição decorrente da sua condição de yakuza. Shioli Kutsuna é Miyu, o arquétipo da donzela indefesa sem uma função simbólica de profundidade. É verdade que ela tem um arco dramático pessoal, contudo este fica sem desenvolvimento na trama – paradoxalmente, recebe um desfecho.
Há um acerto não muito comum na indústria cinematográfica: o japonês é o idioma principal, enquanto o inglês é excepcional, reduzido aos momentos em que Nick participa da conversa. Coerentemente, o protagonista parece entender o que ouve, sem conseguir falar na mesma língua (o que faz sentido, pois o aprendizado de uma língua começa pela audição). Provavelmente, isso não foi orientação do diretor Martin Zandvliet, mas vontade dos produtores, dentre os quais está o japonês Ken Kao. Enfim, transporta com maior facilidade o espectador à diegese. As automutilações não são muito convincentes, porém há bastante violência e muito sangue – nesse aspecto (e apenas nesse), Tarantino estaria orgulhoso. Ou seja, o filme não serve para a parcela do público sensível a esse tipo de cena (embora exista uma em que o sangue some magicamente da camiseta branca do protagonista, um erro de continuidade indesculpável).
A trilha sonora instrumental é razoável, pois intensa e manipulativa ao transmitir uma sensação de instabilidade – o que faz sentido, pois as duas famílias estão sempre em conflito (ainda que latente) pelo domínio de Osaka – e a fotografia escurecida e de poucas cores corrobora a sobriedade do longa. Entretanto, é notória a falta de criatividade para os cenários: basta comparar os apartamentos de Nick, que são diferentes pela vista, não tanto pela pobre cenografia. Ao final, o diretor filma um belo plano-sequência seguindo uma criança correndo, o que acaba sendo um desperdício da boa técnica em uma película que não a merece. A lógica seria afirmar que “Dívida perigosa” também não merece o talento de Jared Leto. O problema é que, com filmes e papéis ruins, ele coloca descrédito em si. Com história semelhante, “O último samurai” é bem melhor – e Tom Cruise não pode dizer que tem um Oscar no currículo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.