Dez anos de Universo Cinematográfico Marvel: o crescimento
Alertamos que o texto que segue pode ter spoilers de “Vingadores: Guerra Infinita”.
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O Universo Cinematográfico Marvel (UCM ou MCU) acaba de completar dez anos de existência. Nesses dez anos, vários personagens passaram por jornadas de autoconhecimento, caminhos tortuosos e perdas significativas. Agora, no epicentro de tudo no MCU, o filme “Vingadores: Guerra Infinita” apresenta uma gama de heróis evoluídos e maduros. Qual seria o resultado disso tudo?
Primeiro, cabe analisar o começo de cada arco dramático dos personagens.
O escolhido para alavancar o Universo Marvel foi ninguém menos do que o personagem mais excêntrico que a editora possuía em seu pote, o Homem de Ferro. Tony Stark era um personagem que já criava polêmica em seus anos iniciais, principalmente com a HQ “O Demônio na Garrafa”, lançada em 1979. Nessa HQ, o autor David Michelinie apresentou o Homem de Ferro como uma pessoa cheia de vícios sujos e principalmente com um ego complicado. Nos anos 1970, a resistência à história foi forte e os leitores tradicionais só reconheceram a importância da HQ em anos mais recentes devido, em parte, ao sucesso da storyline quando foi adaptada ao cinema.
Jon Favreau dirigiu e encabeçou essa adaptação, que resultou em um sucesso massivo a Stark, anteriormente um personagem de classe B na Marvel. Mas, como dito, Tony era um personagem em crescimento e cheio de falhas. Não em relação ao desenvolvimento no roteiro e sim como personagem dentro da história, onde ainda tinha muito a aprender. Quer gostemos ou não, Tony começou realmente esse processo de aprendizagem em “Homem de Ferro 3” ao ter de se encarar como exemplo diante de uma geração nova, que olhava o herói com olhos de encanto. Foi justamente para essa geração que o núcleo da mudança chegou até Tony Stark, anos mais tarde, com “Guerra Civil” e “Homem-Aranha: de volta ao lar”. Ao servir de mentor para Peter Parker, o garoto que virou herói, Stark começa a enxergar a si próprio no menino. É nítido, principalmente em “De volta ao lar”, que o bilionário quer que o garoto prodígio aprenda a ser um herói completo e maduro, sem ter de errar, o que Tony não conseguiu. O Homem de Ferro constrói limites no uniforme de Peter justamente para que sentimentos de orgulho não subam à sua cabeça e a arrogância não tome conta do garoto, como foi o caso do próprio Stark. Além desse sentimento paterno, outro sinal de maturidade de Tony foi ter se casado com Pepper Potts, acontecimento que também vemos em “De volta ao lar”.
Chegando em “Guerra Infinita”, Tony está muito mais pronto, o que fica evidente quando ele acopla na nova armadura para o Homem-Aranha uma espécie de paraquedas, um utensílio que ele mesmo precisou no final de “Os Vingadores”. Os roteiristas de “Guerra Infinita” com certeza se atentaram a esse arco, eles entendem a razão pela qual Tony teve essa história emocional e, justamente por isso, a perda no final fica bem mais sentida.
Outro personagem que teve sua mudança bem drástica foi Rocket Raccoon. O animal mutante nos quadrinhos apresenta apenas uma parcela dessa personalidade difícil e arrogante que vemos principalmente no primeiro “Guardiões da Galáxia”. Aprendemos no filme que sua origem foi conturbada e extremamente difícil. Rocket foi parte de um experimento maldoso que mexeu internamente com certos tipos de animais, dando, por exemplo, a capacidade de fala, dentre outras habilidades; o que fez com que acumulasse tamanha raiva dentro de si. Rocket não é capaz de confiar em alguém e construir uma família; sua única interação é com Groot, tendo conhecido a “gigante árvore” enquanto trabalhava em uma cadeia espacial, ambos cumprindo suas penas. Entretanto, quando Peter Quill aparece no primeiro volume de “Guardiões”, e quando os outros membros da equipe mostram seus valores a Rocket, laços são formados entre os membros do grupo, apesar de ainda existir resistência por parte do guaxinim . Resistência bem fundada pelo o que vimos em “Guardiões da Galáxia Vol. 2”, quando Raccoon converge com Peter Quill. Nesse filme, mais uma vez arquitetado por James Gunn, Rocket começa a sua própria mudança. No final da space opera, Rocket é levado a ver o quanto Yondu se sacrificou para formar uma família e proteger o pequeno Quill, e o quanto tudo isso foi fundado por amor. Experiência essa de Rocket que resultou em suas falas no filme “Guerra Infinita”, quando o animal e Thor estão juntos, após o asgardiano ter sofrido várias perdas familiares e de amigos.
Outro pilar de evolução no universo Marvel é Steve Rogers, o Capitão América. Quando o conhecemos, em seu primeiro filme, Steve é apenas um garoto do Brooklyn que apanha e não suporta mais levar surras. Um garoto que tem um espírito muito patriótico e é determinado ao extremo. Devido principalmente a esse espírito de patriotismo, quando Rogers é transformado no Capitão América, ele concorda em ser usado como propaganda e arma política – duas funções que ele já não mais exerce. Na situação na qual se encontra atualmente, Steve deixou de apoiar cegamente o governo de seu país e embarcou para uma jornada de liderança rebelde, lutando pelos propósitos que julga ser correto à sua raça. O Capitão América é muito mais um símbolo de esperança agora do que era antes, tendo falas icônicas em momentos de luta, como “posso aguentar isso o dia todo” . Esse desenvolvimento, do menino que foge de brigas no Brooklyn para o homem que aguenta suas responsabilidades e deveres, faz o Capitão chegar em “Guerra Infinita” como um líder veraz, uma pessoa de proteção e confiança.
Esses três exemplos nos mostram as vantagens de ter mais de dez filmes à sua disposição para desenvolvimento de personagem. É incrível a apresentação que Kevin Feige orquestrou e que chegou em seu ápice em “Guerra Infinita”. O resultado disso tudo, como ficou de ser respondido, é não somente personagens que evoluíram emocionalmente, mas um filme extremamente maduro, com momentos que se permitem ser corajosos, já que vínhamos acompanhando esses heróis há dez anos. Um filme que se aproveita das escolhas de mais de quinze autores, entre diretores e escritores, que passaram pelos filmes do MCU, e que coloca os arcos de todos os personagens em desfecho, nessa épica história de proporções nunca antes vistas em franquias no cinema.
“Vingadores: Guerra Infinita” apresenta-se de forma elegante e robusta, sem nenhum medo de desenvolver os arcos aqui já explicados, para novos e excitantes lugares em um futuro mais próximo.
Apaixonado por cinema. Crítico, roteirista e aspirante a diretor.