“NOITES BRUTAIS” – A superfície redutora do horror
O cinema de horror muito se beneficia da atmosfera que as aparências produzem. Hábeis em disfarçar a verdadeira faceta de certos aspectos e personalidades, elas constituem uma camada por vezes bastante distante do real, estando na desconstrução gradual desse afastamento uma das principais ferramentas do gênero. Ao brincar com esse artifício, NOITES BRUTAIS visa construir um interessante exercício de manipulação de perspectivas, mas acaba se tornando um refém das próprias superficialidades que busca denunciar.
Ao dirigir durante longas horas, a jovem Tess Marshall chega ao Airbnb que reservou durante algumas noites. Ela logo descobre que o misterioso Keith também está hospedado no imóvel, mas o que se inicia como um estranhamento logo evolui para o que pode se tornar uma relação afetuosa. Tudo se transforma, entretanto, quando o dia seguinte resolve lhes apresentar o terrível segredo escondido no porão da residência.
Dirigido pelo estreante Zach Cregger, o filme se destaca pelo dinamismo emulado em seu primeiro ato. A câmera tímida que não se decide entre acompanhar ou abandonar a protagonista, a escuridão que reveste as paredes – silhuetando o duvidoso hospedeiro de Bill Skarsgård – da casa, e a sobreposição de corredores e portas entreabertas sobre as personagens são apenas alguns dos recursos de dimensionamento das incertezas e do sufoco ali vivenciado.
Agregado ao bom ritmo, que efetivamente reverte as primeiríssimas impressões geradas pelas tensões da abertura – e no processo conquista o espectador justamente por se ancorar nas indecisões agridoces de se interagir pela primeira vez com alguém que não conhecemos – e encaminha o verdadeiro conflito. Os planos longos e marcados por movimentos precisos sustentam ainda a boa sequência de descobrimento do porão macabro ali presente, incorporando as hesitações congelantes mas que se intercalam com a vontade viciosa da personagem de Georgina Campbell em explorar o desconhecido.
É já nessa última chave que, inclusive, o roteiro escrito pelo próprio diretor passa a anunciar alguns de seus comentários sociais, investidos na maneira que a vontade de Jess de proteger Keith se torna a principal responsável por seu aprisionamento. A forma como certos rótulos femininos a convertem em uma refém – e especialmente o perfil de “proteção maternal” comumente transferido, presente igualmente na presença mais sobrenatural apresentada pelo projeto – antecipam uma discussão interessante, mas que infelizmente acaba não bem resolvida ao longo dos demais segmentos.
A interrupção abrupta que dá continuidade a narrativa por meio da introdução do assediador cancelado através da internet e interpretado por Justin Long, por exemplo, confere traços cômicos – e que bem se assimilam à comédia de costumes também aqui presente, justamente voltada a denunciar as aparências mencionadas inicialmente – que injetam uma breve extra vida que logo se esgota no encontro entre as duas linhas narrativas.
O encontro entre Jess e o desprezível AJ pouco reinventa as ações que conduzem ao desfecho, levando apenas à reciclagem de situações, que embora em alguns momentos encontre planos e recursos de linguagem dignos de nota, reduzem a atração à simplificação da qual ela tentava escapar inicialmente. Seria injusto ignorar, entretanto, que os choques entre as duas personalidades até injetam interessantes perambulações a respeito dos arquétipos de gênero, aqui destinados a uma inversão garantida por elementos do terror.
A forma desigual com a qual as figuras são afetadas pelas situações de perigo – e que em um determinado momento passam a ser exclusivamente registradas por um didatismo imagético, pouco hábil no reconhecimento de alcance ampliado de seus próprios ruídos, abordagem que seria muito funcional em uma obra de desconstrução de caricaturas – são até eficientes no desenrolar até o encerramento, mas acabam assim, pelos motivos anteriormente citados, sabotando uma obra de introdução extremamente promissora.
Desse modo, tem-se um longa que divide boas resoluções visuais e um roteiro inconsistente, que apesar as boas ideias nem sempre é eficiente na harmonização de sua estrutura escrita e seu acabamento autoral em tela. Isso fortalece um senso superficial proporcionado pelas imagens, e que se torna vitorioso apesar do duelo aqui travado em função do pouco aprofundamento de certos aspectos e condução genérica de determinadas cenas. Todavia, os momentos divertidos tornam Zach Cregger um nome digno de ser analisado pelos próximos anos.