“TEU MUNDO NÃO CABE NOS MEUS OLHOS” – Recorte incompleto de uma história mais ampla
Pensado como um ensaio sobre a cegueira, TEU MUNDO NÃO CABE NOS MEUS OLHOS acaba sendo um drama familiar que consegue transmitir, eventualmente, as sensações de seu protagonista. Porém, soa como um recorte incompleto de uma história mais ampla.
O protagonista é Vitório, um homem feliz com a rotina dividida entre o trabalho, na sua pizzaria, e o futebol, acompanhando o seu time do coração. Cercado de pessoas de quem gosta – Clarice, a esposa, Alice, a filha, e Cleomar, o funcionário e amigo -, Vitório não permite que sua deficiência visual o impeça de fazer o que deseja, seja no trabalho, seja no lazer. Quando Clarice sugere que o marido faça uma cirurgia para voltar a enxergar, porém, ele fica bastante abalado e entra em conflito com todos, inclusive consigo mesmo.
O argumento do roteiro é ótimo: ainda que não seja original a ideia segundo a qual “o essencial é invisível aos olhos” (frase escrita por Saint-Exupéry em seu “O pequeno príncipe” que se encaixa aqui), o contexto social contemporâneo impõe a valorização de aspectos invisíveis da existência. Isso sem contar o fato de o longa abraçar uma causa igualmente invisível, pois os deficientes visuais indubitavelmente compõem um grupo marginalizado.
A escalação de Edson Celulari para interpretar Vitório foi acertada – embora fosse melhor um ator deficiente visual -, considerando que ele se esmera ao dar carisma à personagem, sem olvidar as necessidades de convencimento quanto à deficiência. É por isso que, quando ele segura tomates em suas mãos ou confere a temperatura da pizza que fez, não olha diretamente para esses objetos, enfatizando o uso do tato (também pela direção, com planos-detalhe) e demonstrando certo afeto por eles. O figurino de Vitório (camiseta branca, camisa azul celeste e boina e calça em cor pastel) representa bem o seu perfil bem-humorado e tranquilo. Sua paz se esvai, contudo, quando Clarice lhe propõe a cirurgia.
Soledad Villamil, famosa nas telonas graças ao vencedor do Oscar “O segredo dos seus olhos”, tem em Clarice uma figura controversa ao tentar interferir no mundo do marido, sendo praticamente a vilã da película. A cena em que ela olha para outros casais passa a mensagem da sua insatisfação, mas é bastante questionável – ela nunca tinha olhado para outros casais? Não é fácil simpatizar com a sua causa, que soa pouco verossímil (o próprio Vitório não entende por que o interesse em que ele volte a enxergar surgiu repentinamente). O texto desperdiça um subplot que daria mais camadas à personagem, referente ao possível interesse afetivo de dr. Jantzen (Roberto Birindelli) por ela. Giovana Echeverria é de pouca relevância com Alicia, enquanto Leonardo Machado faz de Cleomar o coadjuvante de maior realce. É com ele que ficam os melhores momentos (em especial os cômicos) e nele que há um arco dramático pessoal, ainda que subdesenvolvido, concernente ao receio em deixar de ser indispensável para o patrão/amigo.
O diretor e roteirista Paulo Nascimento faz do filme uma obra insossa. A repetição do fanatismo do protagonista pelo seu time de futebol é cansativa e exagerada, além de reduzir a personagem. Existem acertos, como um brilhante rack focus em primeiríssimo plano em uma conversa entre Vitório e Cleomar, com enquadramento fenomenal. Porém, a montagem erra em um jump cut que é quase um jump scare, pulando imotivadamente de um silêncio depressivo e estático para uma alta buzina; e a trilha sonora é prejudicial à película, tirando a intensidade das cenas – inclusive a mixagem de som se dá melhor quando não há música tocando. A punch scene, quando Vitório é humilhado, é um momento impactante pelo seu significado, mas não parece motivação suficiente para os atos seguintes da personagem, ao menos não da maneira como a narrativa flui.
Ainda assim, o maior defeito de “Teu mundo não cabe nos meus olhos” é que o roteiro parece incompleto, fazendo um recorte insatisfatório da vida das personagens e, portanto, deixando muitas pontas soltas. Por que tanta frieza entre Vitório e Clarice, desde o começo? Por que Vitório não quer falar sobre o pai com Cleomar? Se Clarice tem ressalvas com seu pai há muito tempo, o que a motivou a, de uma hora para outra, querer que o marido enxergasse?
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.