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“MAIS QUE AMIGOS” – Comédia romântica ambiciosa

Bem-intencionado e questionador, MAIS QUE AMIGOS pretende revolucionar as comédias românticas, mas essa ambição jamais é alcançada. Seu humor é simplesmente nulo e seu romance é, no fundo, uma repetição do que já foi feito inúmeras vezes no gênero. Subsiste a representatividade e breves menções históricas, o que é pouco para um projeto que se propõe a ser diferente.

Indisposto a buscar vínculos afetivos e inserido no mecanicismo sexual dos aplicativos, Bobby conhece um “descamisado” Aaron em uma balada. Facilmente, os dois percebem suas várias diferenças, o que não os impede de uma aproximação. Bastante engajado na cultura LGBTQIA+, Bobby duvida que Aaron seja realmente gay por ser o oposto, porém o contato crescente entre os dois faz surgir um romance que não era buscado por nenhum deles.

(© UNIVERSAL PICTURES / Divulgação)

A sinopse é capaz de deixar evidente que, em sua estrutura, “Mais que amigos” é um enorme clichê das comédias românticas: duas pessoas que são tão diferentes que não fariam sentido enquanto casal, mas que, a despeito desse abismo, se apaixonam. Afirmar que o longa dirigido por Nicholas Stoller tem como diferencial único o fato de ser um casal gay (ao invés de um casal heterossexual) é uma meia verdade. O lado que é verdadeiro consiste no fato de que, estruturalmente, o roteiro escrito por Stoller e Billy Eichner (que também é produtor e interpreta Bobby) é uma sequência de clichês das comédias românticas. Primeiro, a dupla é apresentada e suas diferenças, enfatizadas. Depois, eles se apaixonam perdidamente, para em seguida se deparar com um evento que pode separá-los definitivamente. No fim, o problema é solucionado (geralmente, o casal acaba junto).

O itinerário narrativo é seguido à risca pela obra, que, contudo, incorre em um erro que prejudica muito o resultado final: o humor que deveria intercalar o romance simplesmente inexiste. É claro que existem piadas, geralmente situacionais (a dificuldade para tirar uma “nude”, a exclusão de Steve no meio da “ação”), mas elas não conseguem ser engraçadas em momento algum. Ou seja, trata-se de uma comédia romântica despida de seu lado cômico. No romance, por outro lado, o filme consegue funcionar, em especial pelo desempenho de Luke Macfarlane, que tem em Aaron uma personagem mais rica. Enquanto Bobby é alguém resolvido quanto à própria sexualidade e, principalmente, quanto às suas convicções e seu modo de agir, Aaron jamais refletiu para identificar que seu comportamento foi moldado pela heteronormatividade e que seu descolamento com a cultura queer é também reflexo de uma conduta heteronormativa. Colabora para o desempenho dissonante dos atores o fato de que Eichner ficou mais responsável pela comédia e Macfarlane pelo romance.

A produção tem boas referências explícitas (“Mens@gem para você” e “Harry e Sally – feitos um para o outro”) e faz uma oportuna crítica à indústria cinematográfica (mencionando, com razão, “Se beber, não case”), que emprega (literalmente nos papéis de destaque, inclusive) a heteronormatividade para que a cultura LGBTQIA+ seja melhor aceita pelo público em geral. Entretanto, quando mergulha na História desta comunidade, é deveras superficial, limitando-se a mencionar a Revolta de Stonewall (sem apresentar o evento adequadamente aos que o desconhecem), a apontar a tentativa historiográfica de apagar ou negar registros e ao reconhecer seu viés deprimente naquilo que chega ao grande público (homofobia, AIDS etc.). Já quando ingressa em terrenos mais arenosos, como os benefícios do ensino da luta da comunidade LGBT+ para as crianças, o filme não encontra fundamentos robustos para além do discurso que já tinha enfatizado antes – qual seja, o de que a marginalização de um grupo molda o comportamento das novas gerações. Afirmar que ensinar as crianças que a homossexualidade é uma característica pessoal que deve ser aceita e respeitada por todos é necessário em tempos de reacionarismo em várias partes do mundo, mas é insuficiente para um real progresso social – afinal, a resposta conservadora é, acriticamente, que o assunto não é compatível com a infância.

Mais que amigos” é expõe a cultura gay (os reality shows, as divas, os apps…) e até mesmo o sexo (o pragmatismo da conversa, a efemeridade da satisfação, a dependência do visual…) de uma maneira sincera e geralmente livre de julgamentos morais (todavia, com sagacidade, ironiza a desconfiança com o poliamor), o que evidentemente não é encontrado nas comédias românticas de casais heterossexuais, tampouco nas de casais gays limitados pela heteronormatividade. O filme denuncia a maneira como a homofobia estrutural limita o ser (como nos sonhos de infância de Aaron) e resulta em pessoas infelizes, frustradas e deprimidas na idade adulta. É isso que ele tem de melhor. Mas é pouco para uma produção que aspirava a se tornar paradigma de um gênero cinematográfico.