“DUETTO” – Gentil demais
Talvez exista um filme razoável dentro de DUETTO, mas certamente não é o filme lançado para o público. A produção se perde em um emaranhado de dois plots que poderiam formar duas narrativas harmônicas, tal qual um dueto, não conseguindo desenvolver adequadamente nenhum deles, ainda que por motivos distintos.
Depois da morte do pai, Cora viaja com a avó, Lúcia, para a Itália. A intenção de Lúcia é tratar da venda de um terreno familiar com sua irmã, Sofia, que não vê há muitos anos. Enquanto isso, Cora fica mais perto de conhecer seu ídolo, o cantor Marcello Bianchini, ao mesmo tempo em que faz amizade com Carlo, um jovem afetivamente adotado por Sofia e seu marido, Gino.
A ideia do roteiro de Rita Buzzar e João Segall é desenvolver duas narrativas paralelas, uma protagonizada por Cora, a outra, por Lúcia. O principal problema do texto é que não consegue imprimir encanto em nenhuma delas. Na de Lúcia, há um trauma familiar que concede à personagem um backstory interessante, porém a necessidade de divisão com a outra narrativa impede seu aprofundamento. Na de Cora, encaminhamentos previsíveis dão à personagem um arco dramático entediante; além disso, o envolvimento de Marcello Bianchini (Michele Morrone) é artificial e, ao final, foge completamente dos desdobramentos compatíveis com a trama, ingressando em um conspiracionismo raso e sem coesão.
Os diálogos escritos por Buzzar E Segall são sofríveis, do tipo “todo mundo errou, o amor é egoísta”. O contexto histórico riquíssimo (a Itália em crise econômica e o Brasil recentemente submetido ao golpe militar) é marginalizado (ainda que não completamente ignorado) para fazer brilhar o dueto narrativo, contudo esse brilho jamais aparece. Há um tom psicanalítico no script, ora pela associação de Cora a um certo complexo de Electra – não à toa, seu pai, vivido por um breve Rodrigo Lombardi, tem o mesmo nome de seu ídolo -, ora por dar a Carlo (Gabriel Leone) um quê voyeurista (com especial destaque na cena da praia).
Mesmo quando acerta, o diretor Vicente Amorim comete erros. A escolha de Marieta Severo para o papel de Lúcia é acertada, pois o desempenho da atriz, como de costume, é de alto nível. Mesmo com pouco material para trabalhar (o mencionado backstory, emoldurado em uma trama de mistério que poderia ser mais densa), Severo traduz bem com expressões de rispidez o palpável rancor de Lúcia por Sofia (Elisabetta De Palo). O erro não está na escalação da experiente atriz, mas de Luisa Arraes para interpretar Cora. Além de Arraes ser péssima, o desnível em relação a Severo torna ainda mais desinteressante o arco narrativo de Cora.
Há uma incapacidade assustadora de Arraes em transmitir o drama de sua personagem. Apesar de o longa insistir na ligação de Cora com o pai (como no sonho em que ele canta para ela ou na cena em que ela mexe em seus pertences), a insipidez da sua reação com a notícia do falecimento de Marcelo é explícita, sendo ainda mais grave quando a reação a outro falecimento, de alguém que conhece há menos tempo, é mais vívida. A direção comete ainda o erro de enquadrar Cora em closes, o que demonstra ser equivocado em razão da inabilidade da atriz em expor qualquer sentimento (a cena no carro ao chegar à Itália é um bom exemplo). Há um fascínio de Amorim em filmar Arraes em primeiro plano e com pouca profundidade de campo, o que é atenuado pelo posicionamento over the shoulder (talvez para esconder, tardiamente, que a atriz escolhida é ruim).
Teoricamente, o filme seria sobre o amadurecimento de Cora (é o que sugere, inclusive, sua sinopse oficial). Nesse caso, primeiro, a infantilização exacerbada da personagem (como ao assistir à briga dos pais e ao estupidamente questionar se nunca mais veria o genitor) soa risível diante da escolha da atriz; e, segundo, pulveriza o arco narrativo de Lúcia.
Como um verdadeiro dueto, Amorim emprega montagem paralela com os dois plots, mas o trio Lúcia-Sofia-Gino (Giancarlo Giannini) é muito mais interessante que o trio Cora-Marcello-Carlo. Por exemplo, Leone, intérprete de Carlo, tem bons trabalhos no currículo, porém as cenas com Cora são reduzidas aos belíssimos cenários italianos, pois as falas da personagem e a interpretação de Arraes impossibilitam a Leone um trabalho ao menos medíocre. Talvez pensar que haja algo razoável no fundo de tudo seja gentil demais.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.