“MEN – FACES DO MEDO” – Caricatura e pose
De tempos em tempos, questões e debates específicos assumem uma preponderância significativa no cinema, na crítica cinematográfica e na cinefilia. As controvérsias em torno dos filmes de super-heróis da Marvel já foram centrais, embora alguns fatos novos reacendam tais discussões. Atualmente, o contraste entre realismo/verossimilhança e fantasia tem ocupado um lugar de destaque, sendo o cinema de terror e a produtora A24 alguns de seus objetos potencializadores. Esta empresa tem cada vez mais determinado uma abordagem particular para o horror, realista, psicologizante e dramática, que pode ser observada como caricatura e pose excessiva em MEN – FACES DO MEDO.
Na história, Harper viveu uma tragédia pessoal que a fez ir sozinha para um retiro em uma vila inglesa. Em uma propriedade rural isolada, ela tem esperanças de se recuperar de um sério trauma. Porém, alguém na floresta ao redor a vigia e a persegue. Então, Harper passa a viver diversas situações assustadoras dignas de um pesadelo composto por suas memórias e medos. Na execução da trama, determinadas características estéticas e dramáticas absorvem uma ambição extremamente vaidosa.
Mesmo que a A24 não produza apenas filmes de terror, os títulos do gênero repercutem e desencadeiam posicionamentos diversos. Muitos elogios foram feitos, por exemplo, a “Hereditário” e a “A bruxa“, enquanto comentários mais divisivos tomaram conta da recepção de “Midsommar” e de “O sacrifício do cervo sagrado“. Estas últimas obras são casos em que as críticas apontaram a impressão de que os realizadores estão preocupados em criar universos incomuns e estranhos não por necessidades dramatúrgicas ou princípios estéticos, mas motivados por vaidade pessoal. Sensação similar é transmitida pela abertura do novo projeto da produtora, na qual se vê a protagonista e seu namorado em uma situação desesperadora. Nos primeiros minutos, a fotografia estourada, o slow motion e a trilha sonora opressiva são utilizados de forma apelativa para construir imagens supostamente chocantes e, assim, chamar a atenção do espectador.
Transcorrida a sequência inicial, o núcleo central da narrativa se passa na casa alugada na zona rural por Harper para tentar um processo terapêutico. Enquanto explora o entorno, percebe que está sendo observada de longe por um homem. Quando está no interior da residência, o sujeito se aproxima ainda mais como uma ameaça insólita. Este conflito, por si só, já poderia gerar o terror, mas o diretor Alex Garland vai além e utiliza outros homens daquela vida para serem perigos para a mulher. Cada um deles tem sua própria forma de ameaçá-la ou inferiorizá-la: a possibilidade de agredi-la, a atitude agressiva de xingá-la, a postura salvacionista de vê-la precisando de proteção ou a culpabilização em um relacionamento abusivo. Em seus trabalhos anteriores, “Ex-Machina” e “Aniquilação“, as protagonistas também estavam sob risco, algo que se torna um aspecto recorrente, ainda que por razões distintas.
Por um lado, a construção dramática e visual que mostra a protagonista exposta não somente em sua casa, mas em toda a vila, é um mérito na promoção do horror crescente. Por outro lado, o filme insiste em sugerir que as cenas excêntricas, o mistério quanto ao sentido dos acontecimentos e os subtextos dos conflitos são demasiadamente intrincados e complexos. A crítica de que a A24 subestima o público ao produzir obras que vestem uma roupagem elitista e condescendente em relação às plateias incapazes de compreender e apreciar a magnitude do resultado final parece caber muito bem aqui. Um exemplo é o flerte com componentes religiosos ou ritualísticos que poderiam fazer parte dos perseguidores de Harper. Em determinadas sequências, a trilha sonora incorpora ruídos dissonantes típicos de um ritual enigmático e eleva sua intensidade enquanto a câmera fecha gradualmente o enquadramento em torno de um monumento de aspecto ameaçador. Então, o questionamento pode ser: qual é o efeito gerado?
Esta e outras escolhas estilísticas parecem muito mais vazias e apelativas do que expressivas para qualquer experiência sensorial. Se as produções da empresa pretendem ser, inicialmente, realistas, também sucumbem à tentação de estilizar os planos e as imagens para deixar uma marca autoral a partir de certo momento. Alex Garland também passa por isso como se quisesse mostrar seu domínio das técnicas como um ato de pose vaidosa, culminando na criação de uma caricatura de um eventual estilo ou propósito dramatúrgico e no esvaziamento dos impactos sensoriais. Logo, as aparições não lineares da relação entre Harper e seu namorado sob uma paleta de cores estourada e a combinação trilha sonora opressiva + fotografia em tons vermelhos intensos + ação em slow motion + hiatos e lacunas na progressão dos eventos para o presente narrativo tem pouco a propor para o espectador. Algumas construções até podem ter uma beleza estética, mas funcionam isoladamente (como o plano em que a protagonista é engolida pela escuridão em frente a um túnel) sem noção de unidade completa.
Outro motivo de polêmica diz respeito às nuances possíveis para o terror. Desde que o crítico Steve Rose cunhou a expressão “pós-horror”, parte da crítica e do público começou a hierarquizar os subgêneros e a dar mais valor a uma abordagem psicológica. Os desdobramentos são tão danosos que algumas posições rejeitam a fantasia do gênero e evitam chamar o horror pelo que é sem fingir ser um drama elevado ou outra nomenclatura elitista. Este mal acomete “Men – Faces do medo“, pois, ao mesmo tempo, que adota o home invasion como premissa e o body horror no clímax, renega os apelos sensoriais dos dois subgêneros como se fossem inferiores. Em ambos os casos, Alex Garland explora as convenções já estabelecidas para insinuar que seria preciso sair da superfície do terror e mergulhar mais profundamente em temas inteligentes, reveladores e superiores.
E na realidade, a tão propalada profundidade temática e artística não é tão concreta assim. Levando em consideração o quadro geral do filme, as metáforas e os subtextos são óbvios demais ou explicados de maneira didática. Não há nada muito especial no uso específico de alegorias cristãs sobre o pecado original, no paralelismo entre o namoro abusivo e a perseguição a Harper e nas alusões à sexualidade feminina. Por sinal, a reviravolta em torno do confronto da protagonista com seus perseguidores não consegue criar o efeito surpresa desejado, epifania ou descarga sensorial. Por isso, a culminância da sequência final não evoca tanto uma ambiguidade dramática, mas o resultado de um conjunto de escolhas pretensiosas e vazias que chamam mais atenção para as técnicas do que para seus efeitos.
Um resultado de todos os filmes que já viu.