“THOR: AMOR E TROVÃO” – Thor, amor e trovão
É preciso reconhecer que THOR: AMOR E TROVÃO honra seu próprio título. Ignorando a conjunção “e”, há três elementos – um substantivo próprio e dois substantivos comuns: o primeiro é compartilhado entre duas personagens, cada uma com sua jornada específica (até que se encontram); o segundo é o fio condutor temático; o terceiro é o que se apresenta nas cenas de ação, que é o que prevalece no longa. Do trio, um é muito bom, outro é extremamente piegas e outro é razoável. A facilidade em concluir a qual substantivo os adjetivos correspondem é indicativo da ausência de surpresas no filme.
Em meio às aventuras junto dos Guardiões da Galáxia, Thor Odinson questiona seu papel enquanto deus do trovão. Em sua trajetória de salvar aqueles que precisam, ele descobre a existência de Gorr, um vilão dedicado a aniquilar os deuses. Para enfrentá-lo, ele contará com a ajuda de duas pessoas do seu passado: Valquíria, agora Rei da Nova Asgard, e a Poderosa Thor, sua ex-namorada Jane Foster.
Ainda que o roteiro de Taika Waititi e Jennifer Kaytin Robinson seja tão frágil quanto o de “Thor: Ragnarok” (clique aqui para ler a nossa crítica), o humor dessa vez é bem superior. Não que Waititi tenha abandonado por completo as piadas infantis, mas o filme tem um pouco menos de humor e é consideravelmente mais refinado. A comédia textual geralmente funciona bem (Korg errando o nome de Jane, a recordação dos lutos de Thor), mesmo que nem sempre seja necessária (como na referência a “Interestelar”, uma mistura de sátira com humor ácido em um diálogo que em nada agrega à narrativa). Há participações especiais engraçadas (como no filme precedente) e uma piada metalinguística sobre a comédia de bordões. Por vezes, há uma repetição de uma mesma piada que faz com que ela perca a graça (no comportamento do Rompe-Tormentas, em especial), mas é notória a parcimônia na comédia.
No som, o filme revela clara preferência pelo rock logo após o prólogo, quando a música-tema dos filmes Marvel toca em versão de guitarra, mas também em todo o seu desenvolvimento, com especial preferência pela banda Guns N’Roses. O que agrada mais, contudo, é o uso de algumas músicas com dupla função, para narrar e satirizar as cenas – é o caso de “Only time” (Enya) e “Our last summer” (ABBA). É no visual, contudo, que “Amor e trovão” tem suas maiores virtudes. O prólogo impressiona pela excelência: em meio a uma terra árida filmada inicialmente em um ângulo que faz uma rima visual com o desfecho (cuja estética é oposta), nasce um dos melhores vilões do Universo Cinematográfico Marvel.
Com uma música instrumental dramática, uma atmosfera imageticamente seca e uma maquiagem que enaltece a palidez e a fraqueza de Gorr, o vilão de Christian Bale é um espetáculo autônomo, com um desempenho quiçá comparável ao Coringa de Heath Ledger. Certamente a estética de Gorr exerce papel fundamental, como na mencionada maquiagem (a branquitude representa sua frieza; as marcas na pele, o passado traumático), nos olhos alaranjados, nos dentes afiados e nas unhas compridas. Todavia, o desempenho de Bale ratifica seu talento imensurável. Na linguagem corporal, o caminhar de Gorr é lento e a Necroespada costuma ficar voltada para baixo, como se ele não fosse ameaçador, impressão desconstituída pelo seu comportamento em batalha. Sinistro aparecendo das sombras, Gorr é um vilão sádico que sorri ao avisar que o herói vai sentir dor e que é capaz de sequestrar os mais vulneráveis para atingir seu fim.
No elenco estão também dois outros grandes nomes: Natalie Portman e Russell Crowe. Portman tem em Jane uma personagem com um bom arco narrativo autônomo e coerente com a personalidade já conhecida, mas que agora abandona o posto de donzela indefesa e participa ativamente da ação, principalmente ao lado de Rei Valquíria (Tessa Thompson). Crowe faz um sotaque grego para interpretar um Zeus falastrão e engraçado. Seu papel poderia gerar um aprofundamento na discussão do vilão sobre o egocentrismo dos deuses, porém o roteiro não segue essa rota espinhosa.
Como mencionado, o visual é o que o filme tem de melhor – certamente não é em sua singeleza narrativa, tampouco no cansativo didatismo exagerado (Korg, papel de Waititi, teria participação diminuta não fossem as narrações que recapitulam eventos pretéritos). A ação dirigida por Waititi é repetitiva e pouco inventiva, porém o figurino é bonito e design de produção é encantador, sobretudo na concepção dos cenários. A Cidade da Onipotência abusa do dourado representando riqueza, com uma arquitetura em tom angelical. O Reino das Sombras é onde ocorre a que é provavelmente a melhor cena da película, local parecido com a Lua terráquea, com detritos voando e com uma belíssima fotografia majoritariamente em preto e branco (as cores surgem nos detalhes, tornando a fotografia um deleite). Os monstros invocados por Gorr são genéricos, mas os efeitos visuais de sombra o tornam ainda mais sinistro.
“Thor: amor e trovão” não se preocupa em explorar um subtexto inteligente, embora tivesse potencial para tal. O filme se permite o uso de deus ex machina porque, afinal, seu protagonista é um deus (provavelmente esse foi o raciocínio de Waititi). São propostos arcos narrativos para os heróis principais e esses arcos os levam, através de ação temperada com humor e uma ideia governante piegas, a um resultado bom, mas sem surpresas. O filme seria muito melhor com um pouco de ousadia. Thor, amor e trovão não simbolizam ousadia (ou novidade) alguma.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.