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“13 SENTIMENTOS” – Amadurecimento da personagem e do criador

A pessoalidade que Daniel Ribeiro imprime em suas obras mais conhecidas é o que as torna especiais, dando-lhes autenticidade e poder de comover. “Baseado em sentimentos reais”, 13 SENTIMENTOS é mais uma jornada de amadurecimento em que o cineasta elabora uma comédia romântica leve, agradável e carregada de emoções.

“Um namoro de dez anos (que) terminou como uma série de sucesso”: é assim que João descreve seu passado com Hugo. Agora solteiro e buscando alguém nos aplicativos de relacionamento, ele encara uma realidade com a qual não está acostumado, o que se torna ainda mais complexo diante das dificuldades do trabalho na área do audiovisual.

(© Vitrine Filmes / Divulgação)

O curta de 2010 “Eu não quero voltar sozinho” foi a primeira obra de Daniel Ribeiro que ganhou um público amplo. Seu sucesso foi tamanho que se tornou um longa, “Hoje eu quero voltar sozinho”, de 2014. Há muita semelhança entre os dois e “13 sentimentos”, de 2024, na medida em que os três transmitem a pessoalidade mencionada, tornando-se obras bastante passionais e emocionantes. Dessa vez, a passionalidade ganha tons de sensualidade mais adulta, como no caso da incrível cena final, conduzida com delicadeza pela linda canção “Leve”, de Tim Bernardes e por uma mise en scène impecável. Essa cena exala a sensualidade e a paixão calorosas que Ribeiro pretendeu irradiar.

A montagem é elemento de destaque no longa, como na cena final, que é recortada de maneira carinhosa. Também chamam a atenção a surpreendente sequência elíptica em retrospectiva (com a música dando a sensação de estar sendo “rebobinada”) e um corte seco seguido da palavra “péssimo”. O trabalho é ainda excelente nos diálogos travados por meios virtuais, simulando sua ocorrência no mesmo local físico (e evitando colocar texto no campo) mediante plano-contraplano (como quando João conversa com Vitor, papel do ótimo Michel Joelsas, pela primeira vez) e split screen (como na criativa cena de diálogos paralelos, fazendo João olhar para os lados).

O formidável Artur Volpi concede a João um jeito bastante afável – nas palavras de Vitor, “de falso tímido” -, o que combina com a sua personalidade ingênua e tímida. Os aplicativos parecem um objeto à beira do ininteligível; as pessoas que encontra neles, alienígenas que até mesmo falam um idioma diferente. Por exemplo, quando ele pergunta a Rodrigo (Daniel Tavares) e Alexandre (Fabrício Pietro) o que fazem, a resposta não é a esperada; quando os visita pela primeira vez, João se senta distante do casal, aproximando-se deles nas oportunidades subsequentes. O protagonista é a cristalização da jornada de amadurecimento que constitui o longa não por ser propriamente imaturo, mas porque, em alguns aspectos, precisa de fato amadurecer.

Essa ideia também está presente nas obras de 2010 e 2014, ainda que no estilo coming of age. João exerce uma função simbólica para a vida adulta, seja ao precisar superar problemas financeiros, seja ao enfrentar os impasses da afetividade. O roteiro é bastante metalinguístico ao expor as dificuldades encontradas por quem trabalha no audiovisual (no Brasil) como João, mas também por fazer com que ele crie realidades diegéticas dentro da diegese, ao escrever roteiros. O amadurecimento decorre do equívoco do protagonista ao encarar a sua vida como uma obra audiovisual, fazendo o caminho da ficção para a realidade diegética (ironicamente, o filme conduz à realidade à ficção). Isso lhe permite criar, parafraseando Tim Maia, “um mundo de encanto onde tudo é belo”, que, porém, não condiz com a realidade. Seu arco dramático revela a aprendizagem de que a vida real não é composta de metáforas (embora elas possam ser úteis), mas da necessidade de aproveitar as oportunidades, rejeitar regras preestabelecidas para relações humanas e, sobretudo, viver.

Novamente por ironia, o filme revela o amadurecimento de Daniel Ribeiro, na medida em que seu roteiro é estruturalmente ousado. É o que ocorre quando emprega sparkline na narrativa: na medida em que João escreve um roteiro, elaborando seu “mundo de encanto” que não existe (a diegese dentro da diegese), esse universo é efetivamente ilustrado por cenas que, por sua vez, tampouco existem (são resultado de subjetividade mental). Ainda que às vezes soe confuso, a ideia é demonstrar que a ficção permite alternativas, o que não ocorre na realidade. A narrativa se torna fragmentada (o que não é ruim no caso) além de divertida, como nas aparições de Orlando (Bruno Rocha). É verdade que o roteiro deixa alguns sentimentos negligenciados, na medida em que, embora sugira uma estrutura capitular, abandona a ideia e deixa os treze apenas para o final. Parece que há um engessamento em relação ao número, o que torna o final poético, ignorando os sentimentos em si, cuja enumeração é mal revelada (principalmente por não haver a estrutura capitular). Mais do que isso, parece que havia mais material a ser apresentado, desenvolvendo melhor outros sentimentos. Assim como João – e qualquer outra pessoa -, o cineasta ainda tem mais a amadurecer.